Para ser ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) é exigido que a pessoa tenha entre 35 e 70 anos, notório saber jurídico e reputação ilibada. Para alguns, porém, isso não é suficiente. Não duvido que alguém ainda proponha emendar a Constituição para exigir um Índice de Massa Corporal (IMC) abaixo de 30, exigindo que o jurista tenha shape de atleta.
Na última semana, o Presidente Lula comunicou que indicará seu Ministro da Justiça, Flávio Dino, para a vaga aberta no STF pela aposentadoria da Ministra Rosa Weber. A indicação desagradou aqueles que esperavam que Lula fizesse história ao indicar uma mulher negra para a cadeira. Afinal, dos mais de 160 ministros que passaram pela Corte, o número de mulheres ou negros podem ser contados nos dedos de uma mão.
Do lado da oposição, com o clã Bolsonaro à frente, a indicação foi tratada como artimanha do Diabo pela ex-primeira dama. Já o ex-presidente, seguido por sua prole, apelou para a gordofobia.
Eles não estão sozinhos, o seu campo político saiu em peso (desculpem o trocadilho barato) às redes sociais e mídia para fazer piada com o ministro. Desde os comediantes de sempre, que defendem a humilhação como forma de humor aos jornalistas do canal oficial da patota, a Jovem Pan.
Parlamentares da extrema direita fizeram coro aos ataques gordofóbicos nas redes sociais ou em plenário, além de saírem “curtindo” e ajudando a viralizar as ofensas alheias. Verdade seja dita, o uso do preconceito gordofóbico para atacar Dino vem desde o início de sua gestão no Ministério da Justiça e memes com fotos suas de perfil e sem camisa são comuns entre os bolsonaristas.
É preciso esclarecer que existem pessoas gordofóbicos de direita ou esquerda. Mais, a gordofobia é estrutural e está enraizada em nossa sociedade. Porém, a linguagem da extrema direita é a mesma de um valentão da quinta série e os preconceitos passam a ser legitimados e utilizados como arma política. Esses políticos insultam e normalizam o bullying em seu discurso como uma prática política corriqueira. Isso é discurso de ódio, mesmo que disfarçado de piada ou trollagem.
Como todo discurso de ódio, ele é dirigido preferencialmente contra aquele que apresente alguma característica dissonante do padrão normativo da sociedade: homem, branco, cristão, heterossexual, magro, saudável e rico. Fugir a esse padrão é como andar com um alvo pelas redes sociais. Que o digam Jean Willys, Eduardo Leite, Maria do Rosário, entre outros e outras.
O discurso de ódio foi usado com mais força contra Haddad ou sua companheira de chapa Manuela D’Ávila? Contra Marcelo Freixo ou sua companheira de partido, negra e LGBTQIA+, Marielle Franco? Nesse último caso, a violência discursiva precedeu à eliminação física da vereadora que nem morta ficou livre desse discurso e das difamações que o acompanham.
Se, com Dino, para alguns públicos a estratégia foi de retirar a sua condição de cristão, afinal ele é um ex-comunista, o que fez sucesso na base bolsonarista foram os ataques gordofóbicos. O jornal O Globo traz estudo que identificou 14,5 mil publicações gordofóbicas contra Dino em três plataformas — X (antigo Twitter), Facebook e Instagram entre 25 de novembro a 1º de dezembro, um aumento de 30% em relação à semana anterior.
A gordofobia é o preconceito contra corpos gordos com a ideia de que pessoas gordas são ‘inferiores’, tem menos capacidade ou saúde do que aquelas que são classificadas esteticamente como magras. É um preconceito que desvaloriza, estigmatiza e hostiliza as pessoas gordas e seus corpos. É uma discriminação que leva à exclusão social e vai desde os lugares que não oferecem assentos para pessoas gordas até os comentários depreciativos, mesmo que disfarçados em “preocupação com a saúde”.
Nos ataques feitos contra Dino, o objetivo é contestar a sua capacidade para o trabalho. Como se o currículo de Mestre em Direito, ex-juiz federal, além de passagens pela Prefeitura de São Luís, Governo do Maranhão e Senado Federal fosse anulado em razão de seu peso.
Esse discurso consegue se espalhar pois se ancora em preconceitos que são naturalizados e passados de geração além da culpabilização do gordo por sua condição. O discurso preconceituoso ignora que a obesidade é uma doença. Como todo preconceito, inferioriza e estigmatiza o seu alvo, retratando a obesidade como resultado da falta de capacidade ou de vontade dele, o que supostamente contaminaria sua capacidade profissional, concluindo que as pessoas gordas são piores ou maus profissionais.
A obesidade é um problema complexo que exige responsabilidade em seu tratamento. E as pessoas gordas exigem respeito e direitos, nada menos que isso. Se você não consegue ver ou falar com uma pessoa gorda sem se fixar na obesidade dela, me desculpe, mas o problema não está na pessoa gorda ou em sua obesidade: está em você.
Foto da Capa: Agência Brasil