O centrão cobra seu preço em ouro. Para garantir que Lula conseguisse manter os 32 ministérios com que iniciou o governo e não retrocedesse em 15 vagas, o preço foi alto. A Câmara aprovou na quarta-feira o texto-base da Medida Provisória da Esplanada, que reorganizou a estrutura de governo e ampliou para o número de ministérios após a terceira chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. A medida provisória, editada pelo Palácio do Planalto logo no começo do novo mandato do petista, caducaria às 23h59 desta quinta-feira (1º). Após a análise dos destaques, ela ainda passaria pelo Senado, o que ocorreu no dia seguinte. Os votos favoráveis à MP da Esplanada foram 377, com 125 contrários e uma abstenção.
A versão aprovada pelos deputados, que elimina funções do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério dos Povos Indígenas, numa manobra da bancada ruralista, também devolve a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), hoje sob o comando da Casa Civil, ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Apesar de as mudanças desagradarem ao governo, o resultado poderia ser pior, com a rejeição da MP da Esplanada, o que faria o governo retroceder à estrutura de Jair Bolsonaro na Presidência. A votação dos deputados ocorreu horas depois de uma conversa por telefone entre Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Um dos líderes do Centrão, Lira reclamou da articulação política do governo. Mais R$ 1,7 bilhão em emendas parlamentares foram liberadas antes da votação, ampliando o saldo já desembolsado em 2023.
Assim, antes de completar seis meses de governo, o Lula acumula derrotas sucessivas no Congresso, mesmo abrindo o cofre e liberando emendas parlamentares à rodo. A articulação política está frágil e cambaleante, fato apontado por aliados e adversários. A base política, mesmo entre os partidos com ministérios é frágil e infiel, e a cada votação redobra seu preço. Nas primeiras votações, o presidente constatou que não pode contar nem com os deputados de partidos que ocupam ministérios e cargos de segundo e terceiro escalões. Mas a moeda ainda corre solta.
Na votação do projeto do marco temporal das terras indígenas, ficou claro que não houve diálogo. Os deputados que aprovaram o projeto por larga margem não votaram a favor para derrotar o governo, mas porque realmente não estão comprometidos com a causa indígena, como Lula está. A maior preocupação dos parlamentares é com os agricultores, que temem perder terras para os indígenas.
A zona de atrito de Lula não é só interna. Está no mundo também. Foi assim quando se colocou para mediar o conflito entre Rússia e Ucrânia e acabou culpando o país agredido. Disse que a Ucrânia tinha tanta culpa pela guerra quanto a Rússia e que “quando um não quer, dois não brigam”. Para piorar, culpou a Europa e os Estados Unidos pela continuidade da guerra. Depois foi obrigado a remendar, mas perdeu a almejada condição de protagonista e mediador do conflito.
Agora mesmo, quando recebeu 12 chefes de Estado da América Latina, Lula paparicou em excesso o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. As declarações de Lula questionando a existência de uma ditadura na Venezuela, sob alegação de que o regime de Maduro é vítima de uma “narrativa” montada contra ele, atraíram fortes reações de alguns dos 11 presidentes sul-americanos que participaram da cúpula inédita promovida pelo governo brasileiro, no Palácio do Itamaraty, em Brasília. Em resposta às críticas, Lula afirmou que posicionamento dos chefes de Estado foram no limite da democracia.
Sem citar Lula, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, de direita, afirmou estar surpreso em ouvir que seria uma narrativa a ideia de que a Venezuela não é democrática. O presidente chileno, Gabriel Boric, de esquerda, afirmou que não se pode fazer vista grossa ao que ocorre no país governado por Maduro. Já em seu discurso no encontro, o presidente do Equador, Guilhermo Lasso, afirmou que, “independentemente de diferenças ideológicas, devemos nos comprometer a revitalizar a integração visando um regionalismo no qual prevaleça a democracia”.
– Não existe democracia onde existem presos políticos, onde existe diáspora de mais de sete milhões de cidadãos, muitos dos quais foram acolhidos em nosso país, afirmou Lasso.
No cravo e na ferradura
O Presidente da Câmara, Arthur Lira, não se sentiu atingido ou pressionado pela operação da Polícia Federal que teve como um dos alvos um ex-assessor do parlamentar. “Eu não vou comer essa corda, vou me ater a receber informações mais precisas, e cada um é responsável pelo seu CPF nesta terra e neste país”, disse Lira.
A operação visa a investigar fraude na compra de kits de robóticas para escolas em mais de 40 municípios de Alagoas entre 2019 e 2022. Segundo a corporação, o grupo articulou um esquema em que uma empresa vencia as licitações e desviou cerca de R$ 8 milhões. Um dos alvos é Luciano Ferreira Cavalcante, que foi nomeado assessor da liderança do PP na Câmara dos Deputados em 2017, quando o cargo era exercido por Lira. Antes, Cavalcante foi funcionário do pai de Lira, o ex-senador Benedito de Lira (PP-AL).
O presidente da Câmara argumentou, ainda, sem detalhar, que decisões da Justiça Federal definiram que não houve sobrepreço ou superfaturamento na investigação, mas que não podia emitir juízo de valor. “O que eu posso dizer é que eu, tendo a postura que tenho, em defesa das emendas parlamentares que levam benefícios para todo o Brasil, pra toda a população, eu não tenho absolutamente nada a ver com o que está acontecendo e não me sinto atingido, nem acho que isso seja provocativo”, afirmou.
O presidente Lula confirmou o que desde o surgimento da vaga fora cogitada, a indicação do advogado que o defendeu na Lava Jato, Cristiano Zanin, para o lugar do ministro Ricardo Lewandowski, recém aposentado. Foi no Palácio do Planalto, em uma reunião fechada na noite de quarta-feira, que o presidente fez o convite oficial que todos já davam como certo, incluindo o próprio Zanin. Além dos dois, estavam presentes o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, e o ministro da Justiça, Flávio Dino. Zanin cumpriu a formalidade de aceitar o convite.
Lula telefonou para a presidente do Supremo, Rosa Weber, e outros ministros da Corte, além de senadores. Lula quis informá-los oficialmente da decisão, que já era aguardada há alguns dias. Na quinta-feira, o presidente falou publicamente sobre a indicação:
“Todo mundo esperava que eu fosse indicar o Zanin. Não só pelo papel que ele teve na minha defesa, mas simplesmente porque eu acho que o Zanin se transformará em um grande ministro da Suprema Corte desse país. Eu conheço as qualidades como advogado, conheço a qualidade dele como chefe de família e conheço a formação do Zanin. Ele será um excepcional ministro da Suprema Corte se aprovado pelo Senado e eu acredito que ele será. E eu acho que o Brasil vai se orgulhar de ter o Zanin como ministro da Suprema Corte”.
Em 23 anos de carreira, Zanin atuou em casos emblemáticos, como a defesa da Transbrasil e da Varig, empresas de aviação que faliram; e prestou assessoria jurídica em casos que envolveram a Airbus e a Helibras. Também atuou em processos envolvendo bancos. Mas se tornou conhecido ao defender o então ex-presidente Lula nos processos da Lava Jato, mesmo não sendo um especialista na área penal.
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