Dias atrás escrevi que Bolsonaro estava silencioso e inerte. Errado. Ela não está inerte. Enquanto o Brasil assiste o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva declarar apoio à permanência de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara dos Deputados, Bolsonaro fica possesso e suspende os R$ 7,8 bilhões restante dos R$ 16,5 bilhões assegurados no chamado Orçamento Secreto. Lira esperava pela liberação dos recursos para robustecer sua articulação na reeleição à Câmara dos Deputados. Mas Bolsonaro não tolerou a traição do ex-aliado e condutor do Orçamento Secreto.
O mecanismo vinha sendo usado nos quatro anos do atual governo federal em troca de apoio em votações de seu interesse no Legislativo. Vem um voto, vai uma verba liberada, deve ter raciocínio astuto do Planalto. Lira é a principal articulação para repasse destas verbas. Elas são de autoria parlamentar, mas nunca rastreadas ou identificadas. Daí a denominação de “secreto”. E Lira é figura central nesse vaivém.
A intenção de Bolsonaro foi atingir possíveis acordos feitos por Lira para sua reeleição. Pura vingança política, uma “vendeta”, no linguajar dos descendentes italianos. Com a medida, Lira fica aquém dos compromissos assumidos. Inicialmente, estavam reservados para o orçamento secreto R$ 16,5 bilhões neste ano, mas R$ 7,8 bilhões acabam de ser bloqueados. O objetivo do Centrão, um dos blocos de partidos beneficiados com o mecanismo e que tem Lira como expoente, seria destravar os recursos neste fim de ano.
Bolsonaro chegou a argumentar que teve que bloquear os recursos pela falta de verbas devido aos sucessivos bloqueios de seu próprio governo, para cumprir o teto de gastos, a regra que atrela o crescimento das despesas à inflação. O caminho de Lira é voltar-se ao futuro presidente e garantir o Secreto já no próximo ano e governo.
Porém, o pacote de maldades, ou herança maldita como o PT historicamente classifica adversários que lhe legam Governos, espraiam-se também na Esplanada dos Ministérios. Para Lula, restarão dívidas e cortes orçamentários brutais. Na Casa Verde e Amarela, denominação bolsonarista do Minha Casa, Minha Vida, houve um corte de R$ 631 milhões. Dos R$ 665 milhões orçados em 2022, ficarão apenas R$ 34,1 milhões no próximo.
O Auxílio Brasil, prometido por ambos os candidatos em R$ 600 mensais, há uma reserva de apenas R$ 400 no próximo ano. Lula incrementou o auxílio, que voltará a chamar-se Bolsa Família, com mais R$ 150 por criança até seis anos. Essa falta de previsão orçamentária (para apenas R$ 400) é que obriga o futuro governo a articular um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) abrindo-lhe as portas para ultrapassar o teto.
A Educação sofreu um corte de 1,096 bilhão no programa Educação Básica de Qualidade. Na Saúde, o corte foi de 59% do orçamento, além de atingir também o programa Farmácia Popular, que caiu de R$ 2,40 bilhões para apenas R$ 1 bilhão. O Mais Médicos teve um contingenciamento de 50,7%, saindo de R$ 2,96 bilhões para R$ 1,46 bilhão. Nos combustíveis, com preços reduzidos com renúncias fiscais do Governo, a estimativa é de R$ 34,3 bilhões. A isenção do PIS/Confins e Cide retira do governo R$ 18,6 bilhões. A redução do ICMS, imposto estadual limitado a alíquotas menores por manobra do Executivo federal na redução para alíquotas menores, também contribuiu para a redução do preço final.
Área Social é terra arrasada
A situação dos programas sociais, incluindo o novo Bolsa Família e a rede de assistência social nos municípios, é de “calamidade” e “desmonte”, afirmaram os integrantes do grupo técnico de Desenvolvimento Social e Combate à Fome da equipe de transição do presidente eleito. O diagnóstico, chancelado de forma unânime pelos membros do grupo, aponta o esvaziamento de políticas de cisternas, distribuição de cestas básicas, acolhimento de pessoas vulneráveis em centros de referência. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) e as ex-ministras do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campelo e Márcia Lopes, foram mais incisivas e falaram em “descaso“, “irresponsabilidade” e “má-fé“.
Os golpistas que saem do Sul
Quando se imagina que as reações viriam de setores das Forças Armadas ou setores políticos inconformados com a eleição de Lula, a Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul (Sergs), conservadora e quase vetusta, aprova um documento com pedido de apoio das Forças Armadas para um golpe de Estado. Os signatários desejam impedir a posse do presidente eleito e vem assinado pelo presidente da entidade, Walter Lídio Nunes (que horas depois “desassinou” o documento diante das reações) e passou a ter a assinatura do presidente do Conselho Deliberativo, Luis Roberto Ponte (ex-chefe da Casa Civil no Governo Sarney, ex-deputado federal, ex-secretário estadual e integrante da executiva estadual do MDB, mesmo partido do vice-governador eleito, Gabriel Souza). Ele citou Ulysses Guimarães para dizer que o partido “tem ódio e nojo à ditadura”.
A Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul, além de associados por profissionais do setor, tem em seu quadro empresas públicas, como a Corsan e a EGR, além do BRDE, entre as mantenedoras. Na Sociedade, houve reclamação de conselheiros e preocupação com a repercussão, com posterior publicação do abaixo-assinado repudiando “a postura ilegal e imoral” da entidade. À noite, após uma edição da manifestação retirar o nome de Lídio Nunes, uma nota responsabilizou o Conselho Deliberativo, presidido por Ponte, como o responsável pelo texto. Umas séries de pedidos de exoneração da entidade ocorrem no decorrer da tarde. Quando perde filiados, a entidade perde também contribuições e reduz seu caixa.