As catástrofes naturais fazem parte da dimensão trágica da história da civilização humana. O terremoto de Lisboa e a enchente do Mar do Norte, por exemplo, eventos que embora separados por séculos e contextos diferentes, serviram para impulsionar avanços significativos em áreas como engenharia civil, gestão de desastres e planejamento urbano, mas também revelam um ponto de vista polêmico: o que separa aquilo que não se pode evitar da omissão por violação dos deveres de prevenção?
O terremoto que destruiu Lisboa. E o próximo, como será?
Em 1755, o terremoto de Lisboa de magnitude estimada entre 8,5 e 9 na escala Richter foi seguido por um tsunami e vários incêndios. A catástrofe matou milhares de pessoas e devastou a cidade. Por um lado, a Igreja atribuía o desastre à ira divina, por outro houve um intenso questionamento filosófico que levou à uma abordagem mais racional sobre a recuperação da área destruída. O processo de reconstrução se converteu em um marco na história do urbanismo europeu com a construção de ruas mais largas e regulares, praças espaçosas e edifícios mais seguros e resistentes a terremotos com a tecnologia disponível na época.
Além disso, o “grande terremoto” teve um papel importante no desenvolvimento da sismologia. Registros históricos dão conta de que Marquês do Pombal, então Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, enviou a todas as paróquias do país um inquérito para apurar o fato e os efeitos do sismo. O questionário é tido como a primeira iniciativa de descrição de um evento no campo da sismologia, razão pela qual passou a ser considerado um precursor desta ciência.
Hoje, quase trezentos anos depois, os especialistas dizem que um novo sismo de grandes proporções em Portugal não é uma questão de “se”, mas de “quando”. Porém, mais do que saber quando vai acontecer é importante saber se os prédios e as infraestruturas de cidades como Lisboa seguiram no caminho de adaptação e implementação de medidas de segurança e se vão aguentar o tranco.
A cidade cresceu, os edifícios envelheceram. A especulação imobiliária avançou e criou-se uma lacuna: há a Lei de proteção sísmica para novas construções, mas há também uma que diz que em uma obra de recuperação urbana não há a necessidade de respeitar a legislação que veio depois da construção original (?), ou seja, qualquer edifício cuja construção original tenha sido antes de 1958 – como não havia legislação de exigência de proteção sísmica – a questão que é deixada ao livre arbítrio dos engenheiros. Aí está o imbróglio. Mesmo a legislação tendo sido revista em 1983, vários especialistas afirmam que durante vários anos continuaram a não ser implementados os mecanismos de fiscalização para a aplicação da lei.
De acordo com dados do último censo, realizado em 2021, aproximadamente 68% do total de edifícios existentes na área metropolitana de Lisboa foram construídos antes da tal legislação existir. Junte-se a isso o custo alto inerente à reforma com implementação de reforço antissísmico. Entre profissionais diretamente interessados nos planos de ação para riscos coletivos ecoa uma voz que diz que será preciso acontecer um novo grande terremoto para aí então o poder público acordar e ver se os prédios estavam ou não acordo com as regras de proteção. Resumindo: lei há, mas há também “vista grossa”, afirmam os especialistas.
A enchente do Mar do Norte, o bom exemplo dos Países Baixos
A enchente de 1953 foi um ponto de virada na história dos Países Baixos em relação ao controle de catástrofes desta natureza. Estima-se que cerca de 2 mil e quinhentas pessoas morreram, além de danos materiais significativos.
Após o desastre, o país intensificou os esforços para fortalecer e modernizar a infraestrutura de defesa com a implementação de diversas medidas como a construção de novos diques, barragens e comportas e o desenvolvimento de sistemas avançados de alerta precoce.
Essa abordagem holística é conhecida como “Gestão Integrada de Águas”. Além disso, o país investe regularmente em tecnologia avançada de monitoramento e previsão de enchentes e de monitoramento constante das condições hidrológicas.
O planejamento urbano é outro ponto crucial e é realizado levando em consideração os riscos de inundação. As construções têm estruturas resistentes à água e há áreas de armazenamento temporário de água espalhadas pelo território em caso de enchentes.
A eficácia deste modelo de proteção está tanto no sistema propriamente dito, quanto na organização e no controle. A infraestrutura é toda administrada por um órgão do governo dedicado exclusivamente à água, a Direção Geral de Obras Públicas e Gestão da Água, que é responsável por cerca de mil e quinhentos quilômetros de defesas do país.
Ali, não se varrer para baixo do tapete a legislação ambiental. Há fiscalização e controle blindados contra os interesses de setores empresárias. E, claro, se mantém um diálogo constante colaborativo entre cientistas, autoridades e comunidade.
Mesmo com todo este controle, em 2021 chuvas intensas fizeram com que vários rios transbordassem devastando regiões de países como a Alemanha, Bélgica, Luxemburgo, Suíça e também a Holanda, um dos locais mais afetados. O país contabilizou enormes estragos, mas não registrou vítimas fatais.
Não há como negar que os desastres naturais serão cada vez mais frequentes no nosso cotidiano, estando nós presentes, ou não, nas áreas afetadas. Se com boa vontade já é difícil, imagina com negligência e descaso.
Termino aqui com uma frase famosa de Rachel Carson, uma das pioneiras da ecologia moderna.
“O Homem é parte da natureza e a sua guerra contra a natureza é, inevitavelmente, uma guerra contra si mesmo”.
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