Nesta semana ouvi o relato de um colega jornalista, para um auditório repleto de assessores de imprensa, sobre a relação dele com as fontes e a mediação dos assessores. O jovem apresentador contou que é comum, quando não obtém a resposta desejada do assessor, falar diretamente com a fonte e pular a intermediação. A declaração causou um incômodo evidente na plateia, uma sensação de hostilidade a alimentar a famigerada “guerra da informação”, travada hoje menos entre veículos e mais entre governos e a imprensa.
Para quem não é do jornalismo, vou contextualizar: a relação entre os jornalistas de redação e os jornalistas de assessoria nem sempre é amistosa. Quem é produtor, repórter e apresentador de programas jornalísticos tem a missão de conseguir a declaração “direto da fonte” e não se contenta – ou não deveria – com os filtros aplicados pela assessoria de governo para construir o alinhamento da comunicação governamental.
Do outro lado, quem é servidor público da área de comunicação vive o eterno aproxima e afasta. Ora fica próximo do assessorado, controlando o que é dito e feito para evitar ou administrar uma crise de reputação pública. Ora está afastado e confiante no trabalho contínuo de preparação do gestor para lidar com a imprensa. Há diferentes estilos de gestão de comunicação e imagem pública de governo, as mais centralizadoras e as mais horizontais.
Por certo, o assessor de imprensa vive uma dualidade na natureza do seu trabalho, pois atende, no mínimo, dois patrões. O jornalista no governo presta contas aos gestores no ofício das funções públicas para garantir a melhor comunicação possível das políticas, ações e decisões da gestão, observando a reputação e imagem do governo e seus políticos. Ao mesmo tempo, deve sopesar o interesse do cidadão, à luz do interesse público, guia norteador de cada passo deste profissional.
A comunicação pública é diferente da comunicação de governo e a linha que as separa deveria ser o distanciamento do centro do poder. Os jornalistas no exercício da comunicação de governo devem estar colados nos gestores. Os jornalistas no exercício da comunicação pública deveriam estar colados na população. Mas então não se pode fazer da comunicação de governo uma comunicação pública? Sim, é possível e desejável. Mas, nestes casos, o assessor deveria entregar e confiar, ser menos centralizador e se dedicar a estratégias com foco no cidadão, por meio da imprensa ou dos canais públicos. Menos controle e mais qualidade.
A falta de consciência do papel e responsabilidades públicas do assessor por parte do governo o induz a agir mais em favor da reputação dos gestores do que no interesse público. Medo de perder o emprego? Em alguns casos, pode ser. Mas, nem sempre. Muitas vezes, a conduta de trabalhar com foco no assessorado e não na população é tão naturalizada que mesmo assessores concursados agem nesta direção.
A disputa leva ao exercício do micropoder, dos dois lados. A queda de braço silenciosa entre o lado veículo e o lado governo pode nem chegar ao assessorado, menos ainda ao diretor de redação. Fica ali oculta na produção da notícia diária, submersa pela eterna engrenagem de novos fatos e frases, incansável e persistente, “carinhosamente” chamada de máquina de moer jornalistas.
Outro ponto a favor da menor centralização da comunicação é a lógica horizontal do ecossistema de mídia, cada vez mais multicanais. Os meios para alcançar uma fonte estão cada vez mais diversos e, muitas vezes, a intenção do jornalista não é passar por cima do assessor, mas chegar mais rápido à fonte e, consequentemente, atualizar a informação para o público.
Há lugares distintos de trabalho, para alguns a assessoria, para outros os veículos. A linha a separar os dois lados está cada vez mais borrada. Se o profissionalismo e o interesse público prevalecerem, não haverá duas trincheiras e sim a conduta em comum pela comunicação pública e democrática. Utopia? Talvez. Mas, por ora, encaro como o sonho que eu convido todos a sonharem junto comigo.
Foto da Capa: Fabio Rodrigues Pozzebon/Agência Brasil