Você já pensou que no final tudo é uma grande história de amor na vida?
Nas últimas colunas aqui na Sler, escrevi sobre a ganhadora do prêmio Nobel que tem uma história visceral de amor com a liberdade e seu propósito, ao ponto de estar presa no Irã e não ver seu marido e filhos há mais de 15 anos, por amor profundo pelas mulheres do seu país. Ou, então, é uma grande história de desamor coletivo, como os fatos que temos presenciado com guerras, ataques terroristas que os violadores justificam como um amor profundo as suas crenças e histórias. Estou puxando estes fios porque a reflexão sobre o amor é inevitável para mim como uma grande emocionada que sou na vida, nos meus amores. O Amor impacta minhas decisões no cotidiano. Até mais do que deveria. Mas já estou em paz com quem sou, e hoje já entendo que ao invés de fragilidade este é o meu poder.
Está chegando o momento de retornar a Paris, uma escolha feita pela minha emoção em viver novas histórias, em ter um segundo olhar sobre esta cidade que me encanta, que tem muitas justificativas racionais da minha parte, mas a mais pura verdade é que estou voltando por amor.
Mas nesta minha história há muitas camadas de amor que quero desenrolar aqui com vocês, pois pode ajudar a iluminar as vivências de amor que cada leitor ou leitora esteja sonhando, vivendo ou até esperando. Seria tudo muito obvio e clichê colocar meu movimento no mundo em função de um homem. Sou canceriana como Luiza Sonza, mas paramos por aí. Durante muito tempo, eu fiquei achando que havia nascido com o chip errado ao me sentir presa ou sufocada em relacionamentos, onde o foco é atender o desejo masculino. E talvez a maioria das pessoas não esteja muito preparada para esta conversa: que existe o lugar de uma mulher que reflete sobre as crenças do que é um relacionamento heteronormativo vigente na sociedade, até hoje.
Você já pensou que as mulheres têm muito mais a perder em um relacionamento do que os homens? Os homens têm muito mais a ganhar em um relacionamento do que as mulheres? Com esta frase a psicanalista preta, gaúcha, @maramaraervilha, mestra em gênero e sexualidade pela Georgia State University, me entregou o caminho para ter mais força ainda na minha intuição de que outro jeito de ser mulher é possível. Então, senta e se prepare para esta reflexão junto comigo:
“Se você ainda não pensou, eu te exponho a lógica do patriarcado: o homem é o prêmio para uma mulher. A gente precisa ter um homem do lado para ser valida como ser humano. Os homens precisam nos validar como mulheres e como pessoa. O discurso de Pick Me, que é o discurso de que homens não vão gostar de mim se eu exigir as coisas que preciso, homens não vão gostar de mim se eu não ficar em silêncio, se eu não for soft, se eu não for sensível, se eu não for aquela mulher estereótipo da novela do Manoel Carlos, estereótipo da mulher silenciosa, sempre bela, sempre sem defeitos, que não é humana, que não fala palavrão, eu não terei um homem. Então, quando vocês escutarem o discurso da Supervulgar, que vocês, sendo vocês, não terão um relacionamento, que bom. Pois isto significa que vocês não terão um relacionamento ruim. Vocês não terão um relacionamento onde você, mulher, é responsável por fazer esse relacionamento dar certo. A mulher que é responsável pela saúde mental do homem, que é responsável pela casa do homem, pela alimentação do homem, a responsável por fazer tudo por aquele homem com o papel de empregada, psicóloga, gestora e amante sexual. Sempre dando e não recebendo nada.”
Esta fala da Mara foi comentando um vídeo da Supervulgar, creator na internet que procura descontruir o discurso PICK ME presente no cotidiano das brasileiras de TODAS AS IDADES. Uma trend viral que ganhou muita visibilidade no TIK TOK, onde jovens expressam misógina internalizada, o ingrediente certo para a perpetuação do patriarcado e julgamento de vozes de mulheres dissonantes. Para resumir o discurso, PICK ME nega a natureza feminina que não se encaixa no perfil masculino de feminilidade. E, ao invés de derramar seu descontentamento com o patriarcado, elas se voltam contra outras mulheres, para desvalidar seus comportamentos e lembrá-las de se adequarem às normas sociais.
“Eu não posso viver um amor com você. Pois preciso casar com uma mulher da minha cultura e religião que terá o papel de cuidar do meus pais. Por isto meus pais escolhem esta mulher para mim. Então acho que não será bom nos encontrarmos, pois eu queimo de desejo por você e esqueço minha cultura e religião.”
“Ou então, aceita ser amante porque aí você tem um homem.”
Uma mulher livre e dona do seu caminho abala o patriarcado. E faz um homem tradicional queimar, e como reação eles desejam nos aniquilar emocionalmente ( e até fisicamente como no Irã, no Brasil, no mundo) Ninguém nos ensina a amar nossa liberdade e poder de escolhas. A sociedade através de filmes, livros e nas redes sociais nos ensina a sermos mulheres padrão. A mulher premiada com um homem, pois você cumpriu os requisitos de sucesso feminino. A mulher livre, que viaja o mundo sozinha, que não quer gerenciar a vida de ninguém, além da sua, não é celebrada. Ao contrário deve ser domada. Ou desestabilizada. O bom é que quando você já chegou em uma etapa da vida consegue ler estes movimentos, e sair da rota deles.
Eu não desejo mais uma vivência amorosa que se transforma em um emprego de cuidadora de família ou do homem como sua psicóloga, gestora ou amante. Dizer isto é transgressor e libertador. Mas ainda não é “normal “e fere quem ouve. Então, apesar de ter vivenciado um amor de cinema na minha primeira ida a Paris, não estou voltando por este homem, ou para virar sua cabeça e fazê-lo abandonar sua cultura e religião (apesar que já fiz este papel revolucionário de fazê-lo entrar em conflito pessoal kkk). Estou voltando por amor a mim mesma, por amor a viver, por me experimentar, pela cultura e para escrever novas e boas histórias neste meu filme particular que é a minha vida. Uma contra narrativa de amor, onde sigo meu caminho para ter um relacionamento feliz comigo mesma e minha escolhas. Sempre entendendo que as escolhas são minhas, e o outro que faça as deles. Porque, se tempo é vida, eu escolho dar a minha vida para eu mesma. Sem desvios ou me deitar para o patriarcado. Porque, quando eu fechar meus olhos nesta vida, quero poder pensar: valeu muito ser quem sou!
Foto da Capa: Reprodução Tik Tok