Holding Familiar é um nome charmoso e interessante que, na maioria das vezes, se dá a uma sociedade limitada ou sociedade anônima, criada por alguém para administrar outras empresas cujo capital foi integralizado com bens pessoais dele (holding pura), pois ela visa apenas a participação no capital social de tais empresas. Também poderá ser uma holding mista, que é aquela que, além de participar de outras empresas, também exerce as atividades operacionais.
Na maioria das vezes, a Holding Familiar brasileira não tem o imenso capital social de uma tradicional “holding company” que é formada para controlar outras companhias, que restringem seu papel a serem proprietárias das ações e supervisionar o gerenciamento ou administração das empresas controladas. Por exemplo, existem empresas que controlam grandes grifes internacionais, alguns bancos, que têm essa figura da empresa controladora, como a Itaú Unibanco S/A. Todavia, em muitas holdings, a empresa controladora, além de controlar ou participar das empresas subsidiárias, também exerce a administração e a operação dos negócios das empresas controladas.
Voltando à modesta Holding Familiar, em comparação com essas empresas gigantes, na maioria das vezes cria-se essa empresa controladora (a holding familiar) e, com os imóveis dos fundadores, integraliza-se o capital de pequenas outras empresas, que esses fundadores podem, se quiserem, dar desde já quotas sociais para seus filhos com reserva de usufruto para eles, doadores. Isto é, os fundadores da Holding Familiar já transferem para os filhos o patrimônio familiar, por meio de quotas sociais, mas continuam na administração dos bens, leia-se, das empresas.
A Holding Familiar pode ter muitas variações. Poderia, por exemplo, ao criar-se a Holding Familiar, já ficar estabelecido que determinado filho será o presidente da Holding Familiar, serem doadas participações societárias diferenciadas aos filhos que dessem a um deles o controle de uma das empresas, ou desde já doar-se uma empresa para cada filho. Obviamente, o casal do exemplo poderia constituir a Holding Familiar e deixar que os filhos, no futuro, fizessem a partilha das quotas sociais em um inventário e determinassem sobre a administração das empresas, o que, na maioria das vezes, causa menos conflitos familiares e judiciais do que quando os pais favorecem um filho em detrimento dos outros.
Veja-se agora um outro exemplo: um casal tem 10 (dez) apartamentos. Nessa condição, ele estabelece a Holding Familiar (controladora) e outras 10 (dez) empresas (controladas) que irão explorar a locação ou a comercialização de imóveis, sejam eles imóveis residenciais ou comerciais, sendo que cada um desses apartamentos será transferido para uma dessas pequenas empresas mediante integralização de capital.
Embora normalmente não haja a incidência do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) quando se integraliza o capital de uma empresa com bens imóveis, como o objeto dessas empresas acima mencionadas será a exploração comercial dos imóveis, haverá a incidência do referido tributo, em razão da disposição constitucional que estabelece que “…não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Em um inventário, não haveria a incidência desse ITBI, só ocorreria se um herdeiro comprasse a parte do outro.
Importante salientar que essas empresas controladas pela empresa holding devem, na prática, exercer a atividade comercial, sob o risco de as empresas serem autuadas, e seus sócios ou administradores incorrerem até mesmo no crime de fraude fiscal.
Por exemplo, um casal, com vistas a maximizar a eficiência e reduzir o pagamento de tributos, em razão de um planejamento sucessório, cria uma Holding Familiar constituída pela empresa controladora e três empresas subsidiárias, cada uma dessas subsidiárias com o capital integralizado por um apartamento, e esses apartamentos permanecem sendo usados pelos filhos dele, ou seja, não são usados na prática para o desenvolvimento da atividade empresarial. Evidentemente, essa Holding Familiar foi apenas uma estrutura criada para diminuir um pouco a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e doação (ITCMD) em um futuro inventário. Como o casal, ao transferir para cada um dos filhos as quotas dessas empresas, provavelmente tenha tido uma diminuição na base de cálculo do ITCMD, pois se os imóveis fossem herdados da forma tradicional pelos seus filhos, a base de cálculo seria o valor da avaliação de mercado dos bens, enquanto que em uma Holding Familiar a base de cálculo para doação das quotas sociais será o valor declarado no Imposto de Renda, que geralmente é menor. Se o fisco verificar que essa estrutura foi uma simulação ou uma fraude, poderá, além de lavrar os autos de infração arbitrando pesadas multas, executar tais débitos fiscais e ainda determinar que seja apurada a responsabilidade criminal dos envolvidos. Importante frisar que a Receita Federal, para fins de autuação fiscal com cobrança de tributos federais e multas, poderia arbitrar o lucro que os imóveis que continuaram sendo usados pelos sócios dariam se tivessem sido locados ou comercializados de acordo com o estatuto social da Holding Familiar para calcular o Imposto de Renda que seria devido por essas empresas, que naturalmente seria um valor compatível com os rendimentos que esses imóveis teriam gerado se tivessem sido usados na atividade empresarial, e não tivessem ficado sendo usados como residência dos sócios ou filhos dos sócios, e estipular pesadas multas tributárias.
Como boa parte das coisas, pode haver vantagens e desvantagens a depender do prisma em que se olha, e a opção por tal estrutura societária deve ser analisada caso a caso.
A meu ver, a vantagem tributária existe, principalmente se considerarmos o risco de que o ITCMD venha a ter sua alíquota majorada, mas como a legislação e os julgamentos tributários no Brasil às vezes surpreendem e os entendimentos e as leis podem mudar, há sempre um risco de que essas vantagens tributárias desapareçam com o tempo, se os entes tributantes perceberem que poderiam recolher mais tributos.
Em alguns casos, a profissionalização da gestão do patrimônio da família, que é uma vantagem, pode ser comprometida, pois é muito difícil para os pais escolherem um filho em detrimento do outro, ou mesmo sabendo que nenhum dos filhos é muito competente, determinar que terceiros com a formação e experiência adequada administrem o patrimônio familiar. O melhor é considerar a opinião de todos os interessados ao tomar essa decisão.
Essa estrutura pode ser extremamente injusta com as mulheres, se os sócios criadores da Holding Familiar forem machistas e acharem que determinado filho é o mais competente pelo simples fato de ser do gênero masculino ou o mais velho. Já vi alguns casos em que o filho que ficou com a administração do patrimônio familiar fez uma série de maus negócios e perdeu tudo. Outrossim, vi casos em que o filho premiado com o controle acionário da empresa vivia no maior luxo enquanto as irmãs recebiam módicos dividendos. Para piorar, sempre pode haver um adepto do caixa 2 que, por se considerar mais filho ou merecedor do que o outro, desvia o dinheiro para ele mesmo. Isso infelizmente acontece muito. Sem falar que, não raramente, o filho que não conseguiu alçar voo é o escolhido para ser o administrador por uma questão de proteção ou até de ferida narcísica dos pais que não querem admitir que aquele filho não é o prodígio que achavam que iria ser.
A Holding Familiar apresenta como vantagem o fato de o patrimônio já estar dividido, evitando brigas caras e demoradas em inventários. Por outro lado, os filhos que se sentirem lesados ficarão extremamente magoados e com raiva dos pais e até com ódio ou desprezo pelo beneficiado, e as brigas e rompimentos familiares podem ser mais danosos do que deixar os filhos decidirem as próprias vidas, se querem ou não serem sócios, se há a affectio societatis entre eles. Nenhuma família será a mesma depois disso.
Quando os filhos não gostarem da administração do filho escolhido, as brigas dentro da empresa e os conflitos judiciais serão bem mais caros, trabalhosos e constantes do que as disputas que acontecem nos inventários, podendo afundar com qualquer sociedade, prejudicará a vida de todos os envolvidos. Vale salientar que essa estrutura pode afetar negativamente a geração dos netos, e as desavenças familiares podem crescer exponencialmente.
Recentemente, vi um caso em que o ex-marido, para não pagar a pensão do filho, passou a dizer que havia ficado pobre da noite para o dia, que o vasto patrimônio que antes lhe dava muito dinheiro era da Holding Familiar. Foi a ex-mulher alegar em juízo que a Holding Familiar poderia estar escondendo os lucros, sonegando os tributos e ameaçar de pedir a desconsideração inversa da personalidade jurídica, medida na qual se busca responsabilizar a empresa pelas dívidas dos sócios, que o acordo foi fechado. Imagine o tamanho da confusão, dos litígios e dos valores das despesas jurídicas em uma Holding Familiar quando os filhos se casam, passam a ter filhos, e muitos desses novos sócios ou integrantes da família não estiverem contentes com a administração do patrimônio de todos pelo administrador da Holding Familiar.
Lembre-se de que uma pessoa jurídica também tem um tempo de vida, raras são as empresas que atravessam décadas, e que a suposta economia no inventário vai para o ralo quando ocorre a dissolução da sociedade, e que haverá nova incidência do ITBI quando os bens ou direitos da sociedade dissolvida forem destinados para o patrimônio pessoal das pessoas que não tiverem realizado a incorporação do patrimônio da Holding Familiar, ou seja, para os filhos ou netos dos fundadores dessa estrutura societária, e seus agregados (viúvos ou viúvas dos filhos ou netos).
Deste modo, antes de optar por esse tipo de estrutura societária, convém conversar bem com os beneficiados, fazer algo que fique confortável para todos, proceder uma cuidadosa análise contábil e tributária, pois cada negócio tem as suas especificidades e não esquecer de contratar um advogado. Isso pode evitar graves problemas familiares, e a integridade da família não deve ser colocada em risco se não for realmente por um motivo muito relevante.
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