Nunca fiz um teste de inteligência. Nem como profissional, nem para mim mesma. Quer dizer, nunca apliquei como psicóloga e nem mesmo o realizei. Peço desculpas aos colegas que se dedicam a isso – sei de contextos de avaliação que salvam a vida de pessoas –, mas, no meu íntimo, sempre achei que essa categorização “inteligência” tinha certa vocação opressiva. É porque, ainda quando se fala de inteligências múltiplas, de certa forma um discurso corrente nos faz crer que algumas são mais “inteligentes” do que outras.
Opino – ninguém perguntou, mas para isto estamos – que, por exemplo, a genialidade humanitária de Madre Teresa e esportiva de Pelé estão no mesmo nível de Einstein. Talvez ele mesmo concordasse. Contudo, certamente o senso comum dirá que o físico era mais inteligente. Como classe, os cientistas fazem seu lobby como representantes de uma elite intelectual, mas evidentemente, gênero e raça também entram com facilidade nesta conta. Como reforço, está também o capital como financiador de projetos para reverter em mais capital, e o capitalismo para inflar egos e tecnocracia.
É daí, possivelmente, que venha a facilidade em nomear o neonazista Elon Musk como um gênio. E, afinal, gênio do quê? Das finanças? Como? Se suas práticas predatórias nem foram iniciadas por ele, já que é herdeiro físico e moral do extrativismo obsceno da África do Sul. Das tecnologias? Difícil também, se grande parte dessas foi angariada dos recursos humanos formados pelas universidades e na formação estatal, por exemplo, da NASA. Se vamos levar a sério os superlativos, só posso dizer que se trata de um gênio da exploração. Ou, então, teremos que conceber que aumentar a pobreza de muitos – atividade de todo bilionário – seja algo muito inteligente. Não consigo.
De qualquer forma, eleger gênios de estimação é como eleger um santo para rezar. Deixamos que eles façam coisas milagrosas, em enorme proporção, enquanto abdicamos de fazer o nosso pequeno. E o nosso pequeno em relação à inteligência e genialidade seria pensar em nossa educação básica, como sociedade. Neste maio, dados do INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional mostraram que no Brasil andamos bem complicados em relação à leitura. Há textos e gráficos para quem tiver fôlego, mas uma análise possível – se olharmos o gráfico escolaridade vs. alfabetização – nos mostra um dado que, por si só, deveria sedimentar em nossa mente a necessidade urgente de valorizar com tudo a educação. Com nenhuma escolaridade, é impossível encontrar na amostra sequer um/a brasileiro/a com nível proficiente de leitura. Em contrapartida, é possível encontrar analfabetismo em pessoas com nível superior. Surpreendente? Infelizmente, não.
Ainda assim, todos nós: letrades, analfabetos e analfabestas estamos fissurados com as maravilhas e potencialidades das Inteligências Artificiais. Me assombra ver tarefas simples e factíveis sendo realizadas pelo ChatGPT sem nenhum critério. No entanto, essa sou eu. Já sua professora de aritmética, mais de 20 anos atrás, tinha medo de você não aprender a fazer contas por causa da calculadora, certo? Pois não pense que agora ela está preocupada – na verdade, a população idosa vem sendo cada vez mais usuária e dependente da tecnologia. Essa mesma senhorinha utiliza hoje estas tecnologias para tudo: comprar, pesquisar e suprir carências. Seus netinhos, no entanto, não estão aprendendo muito mais do que o lé com cré. E, pior, eles defenderão que isso é bom. Uma pena que não para eles. Nem para o meio ambiente.
As Big Techs até tentam te convencer de que as IAs, no futuro, vão auxiliar na sustentabilidade. Contudo, novamente os números não estão ajudando. Em 2023, as emissões do Google aumentaram 48%, segundo pesquisa mencionada em um artigo do ano passado no The New York Times. Vamos ver como será. É como já disse uma renomada ministra: o problema que preocupa mesmo é a “desinteligência natural”.
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Foto da Capa: Geovana Albuquerque / Agência Brasil