Estava lendo um post sobre relacionamentos entre mulheres mais velhas com homens mais jovens da Pati Pontalti, quando me deparei com um comentário que dizia que o importante era “o espírito jovem e não a idade”. Fiquei refletindo sobre essa afirmação e como, se por um lado demonstra a quebra de paradigma que estamos vivenciando com relação a maior liberdade feminina com relação a escolha de seus parceiros, por outro ainda revela nossos preconceitos sob um manto aparente de elogio.
Para começo de conversa
Quando olhamos alguém, a idade é uma das primeiras coisas que observamos. No entanto, quando a idade é utilizada com a finalidade de dividir, prejudicar ou provocar injustiças, estamos sendo etaristas, (idadistas ou ageístas são sinônimas). Um exemplo é quando nos referimos a uma mulher mais velha, que se relaciona com um homem mais novo, como Papa-Anjo. Aqui, além do idadismo, cometemos outra camada de preconceito, a do sexismo, já que na nossa sociedade institucionalmente patriarcal é esperado nas relações afetivas que o homem seja o parceiro mais velho, mais experiente, melhor posicionado economicamente (e se nada disso acontecer e for verdade, ou se isso se misturar? Dá “tilti” na cabeça de algumas pessoas).
Não parece a idade que tem
O idadismo é sorrateiro. Ele pode se apresentar de forma negativa ou positiva. As formas negativas são fáceis de identificar, pois normalmente nos sentimos injustiçados/as e ofendidos/as, na forma de palavras e expressões como “caco”, “caduco/a”, “coroca”, “esclerosado/a” etc.
Com relação a forma positiva, nem sempre a gente percebe o idadismo. Na maioria das pessoas a passagem do tempo provoca angústia e preocupação, por diversas razões. No entanto, observações que chegam como “Você nem parece a idade que tem”, “Você aparenta ser muito mais jovem”, “você é muito bonito/a para a sua idade”, “seu espírito/alma é jovem”, são revestidos de etarismo, porque nos trazem o recado implícito de que estamos “inadequados/as” para nossa idade cronológica, que a beleza está na juventude e que não pode ser encontrada – também – no envelhecimento e velhice.
Cultura Jovencêntrica
Esses casos, no geral, estão muito ligados a cultura jovencêntrica, quando os mais jovens são mais valorizados, desejáveis e pautam o padrão estético e comportamental ideal, enquanto os mais velhos são considerados obsoletos, pouco criativos, resistentes, adoentados, mal vestidos, desatualizados, feios, lentos. Essa cultura acaba por transparecer na publicidade e na comunicação em geral, e também na falta de oportunidades de emprego, que privilegiam as pessoas mais jovens. Aqui, no Brasil, ela é especialmente forte, país que se encontra entre os primeiros nos rankings para realização de procedimentos estéticos e na comercialização de produtos de beleza, um mercado sempre ávido por novidades.
Etarismo x Jovencentrismo.
A cultura jovencêntrica valoriza a juventude como atributo e comportamento ideal de beleza. Este é o valor que ela exalta na sociedade: “Forever young”. Quanto mais jovem, mais bonito/a, e quanto mais bonito/a, mais valorizado/a nessa sociedade. Ela ATÉ aceita os mais velhos, desde que estes tenham uma ‘aparência jovem”, mantenham um “ar jovial”, um “espírito juvenil”, sua “alma jovem”.
Enquanto isso, o etarismo discrimina pessoas de qualquer idade com relação a idade. Porém, conforme estudos da Organização Mundial da Saúde – OMS, conforme envelhece mais uma pessoa sofre de idadismo. A cada duas pessoas no mundo, uma é idadista contra PESSOAS IDOSAS. Isso porque há uma carga maior de estereótipos (pensamentos), preconceitos (sentimentos) negativos e, por fim, atos discriminatórios com relação as pessoas idosas do que com relação as demais idades.
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come
Cruzando o idadismo, jovencentrismo com o sexismo, de novo a gente encontra mais prejuízos para nós, mulheres, em comparação aos homens, no envelhecimento. Dentro desses sistemas, quanto mais velhas, menos valorizadas nós somos e mais pressão sofremos para aparentar a juventude que nunca mais teremos.
Gerontofobia x Velhofobia
O medo desproporcional de envelhecer é chamado de gerontofobia (ou gerascofobia), ou seja, aversão patológica com relação ao processo de envelhecimento. Os sintomas afetam os pensamentos e causam ansiedade, pois a perspectiva do futuro é sempre negativa. Sendo assim, não consegue sonhar nem imaginar algo agradável longe da juventude. Por tudo isso, pode causar depressão. É recomendável a procura de um/a médico/a psiquiatra ou psicólogo/a para orientação e tratamento.
A velhofobia é a discriminação voltada para as pessoas idosas, conforme as palavras da Miriam Goldemberg, pesquisadora, escritora e quem cunhou esse termo “Para os velhofóbicos a vida dos mais velhos não vale nada. Esse tipo de discurso já existia antes da pandemia: os velhos são considerados inúteis, desnecessários e invisíveis. Homens e mulheres, que já experimentam uma espécie de morte simbólica, ficam desesperados ao constatar que são considerados um peso para a sociedade. Muitos estão deprimidos e perdendo a vontade de viver em função dessa tragédia que é mundial, mas que adquire contornos muito mais cruéis, perversos e desumanos no Brasil.”
Todos contra um
Ao analisarmos, idadismo, gerontofobia, jovencentrismo, velhofobia, convergem quanto ao preconceito e discriminação com relação as pessoas mais velhas e aos estigmas associados ao envelhecimento. Infelizmente, eles são muitos e estão bem enraizados na nossa cultura.
Eu posso e você também
Para uma sociedade inclusiva para os mais velhos de hoje e os do futuro, os caminhos para a solução já foram apontados: campanhas de comunicação, programas de educação, realização de atividades intergeracionais. Mas a mudança, a mudança real, somente se dará quando as atividades encontrarem os corações das pessoas e fizerem a transformação necessária de dentro para fora. Pois toda crença limitante é resolvida a partir de uma libertação interna. Quando compreendemos que ninguém é melhor do que ninguém e que temos direito a ser feliz. Que a velhice é uma benção, pois o contrário é morrer. Eu quero viver. Que o bom é ser velho/a e feliz! É pra lá que eu vou!