Claude Lévi-Strauss diz que os homens não suportam a confusão, por isso necessitam mais de classificações do que de crenças. As classificações são importantes, mas variam com o momento histórico e social. As classificações, afirmam os classificadores, são importantes para a ciência porque são um pré-requisito para se descobrir uma ordem no universo (e o sentido da vida). Considerando tais premissas, arrisco-me a classificar.
A tecnologia é um dos ramos da ciência e esta, um dos ramos da filosofia. A ciência é muito mais abrangente que a tecnologia e aquela é um dos inúmeros rincões da filosofia.
Os gregos (sempre eles) chegaram aos recônditos da mente e da matéria, sem usar qualquer tecnologia. Somente com elucubrações peripatéticas.
A tecnologia que desencadeou a revolução industrial criou um pensamento filosófico que a justificasse.
O escolhido foi o cartesianismo (René Descartes, 1596-1650), que classificou a mente e o corpo como duas entidades separadas na base de um raciocínio puramente mecanicista. (Res cogitans e Res extensa). A unidade íntima da razão e da emoção seria incompatível com o desenvolvimento do progresso tecnológico. A emoção e a paixão perturbam o raciocínio científico. E a filosofia cartesiana serviu como uma luva para justificar e estimular tudo o que a ciência e técnica engendraram depois.
Pouco antes de ser desencadeada a revolução industrial, viveu em Nápoles o filho de um modesto livreiro, chamado Giovanni Battista Vico (1668-1744), o qual, entre outros pensamentos, elaborou uma nova teoria do conhecimento (na sua obra Sziencia Nuova), fruto da mente de um homem de gênio, nascido antes de seu tempo. Uma de suas lúcidas e corretas afirmações – e a que mais gosto – é que “No coração da razão está a emoção“. Isto contrariava o cartesianismo e o pensamento tecnocrático que nos domina hoje. As pirâmides do Egito, o mausoléu Taj Mahal, na Índia, o duomo da catedral de Santa Maria Del Fiore de Bruneleschi, o sorriso da Mona Lisa de Leonardo, a Nona Sinfonia de Beethoven, todas estas maravilhas humanas foram engendradas mais pela emoção do que pela razão.
Quando, antes das recentes e incisivas conclusões dos inúmeros estudos em ginecologia, se dizia que a maioria dos problemas da mulher na menopausa podia ser resolvida com o uso de hormônios, estávamos sendo cartesianistas e não-viconianos. Pensando que a razão podia ser separada da emoção, que uma situação anímica, mais do que fisiológica, podia, como numa máquina, ser resolvida pela reposição de uma peça.
E a tecnocracia médica, até hoje, está impregnada da ideologia cartesiana, embora, desde Freud, dela estamos, embora lentamente, nos livrando.
Se Vico fosse mais consultado, talvez desde o século XVIII, estaríamos livres da dicotomia cartesiana do Res cogitans e Res extensa. E seríamos mais coração e menos a fria razão.
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
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Foto da Capa: Gerada por IA.