Na semana passada escrevi sobre a lista das coisas que não mais faremos na vida. Hoje quero refletir sobre os impactos nas nossas vidas do que “não fizemos” e do que “nos arrependemos de ter feito”. Pode parecer perda de tempo olhar para o passado, mas se, ao olhar para a cicatriz, ainda sentir a dor, a ferida não está curada.
Como as coisas que “não fizemos” podem impactar as nossas vidas? Vou dar um exemplo que aconteceu comigo. Em 1993, quando eu estava fazendo meu doutorado, dei aulas de português para um executivo da General Motors da Alemanha que precisava aprender português em 30 dias, pois seria o CEO de uma nova fábrica em Portugal. Nas conversas e exemplos durante as aulas, eu usava meus conhecimentos de Engenharia da Produção para falar da gestão de empresas. Resumindo, o cara gostou de mim e me convidou para assumir uma posição importante na nova empresa. Eu fiquei tentado, mas resolvi continuar meus estudos e concluir o doutorado. Quando eu recebia a bolsa, lembrava que poderia estar ganhando várias vezes aquele valor em Portugal.
Existem situações em que realizamos algo, mas fica a sensação de que “poderíamos ter feito melhor”. Tive duas experiências assim. Em 2001, já como professor da UFRGS, desenvolvi um projeto com outros dois colegas e começamos a transmitir nossas aulas ao vivo e ainda deixávamos os vídeos disponíveis no site da Escola de Administração. Ou seja, nós já fazíamos o que o YouTube começou a fazer em 2005 e o que o levou a empresa hoje a ser avaliada em 30 bilhões de dólares. A outra experiência foi em 2006, quando transmitíamos semanalmente pela internet o programa de entrevistas: “Sustentabilidade em Debate” (veja abaixo o link de 26 programas que consegui recuperar para quem desejar ver/rever o que se discutia duas décadas atrás sobre este tema). Este programa permitia que as pessoas interagissem online enviando perguntas aos entrevistados. Tínhamos criado as “lives” muito antes do Instagram, que foi surgir em 2010. Um dia uma pessoa me disse: se vocês fossem empreendedores poderiam estar ricos e famosos. Na verdade, estas atividades não foram criadas para se tornarem um negócio ou para fazer alguém rico e famoso. Deveríamos nos arrepender por não termos feito mais do que fizemos?
Por outro lado, fiz coisas das quais teria motivos para me arrepender. Antes da Pandemia resolvi retirar parte das minhas economias que não estavam rendendo e investir em ações na bolsa. Nos três primeiros meses ganhei bastante, mas perdi muito nos últimos três anos.
Certamente você teve muitas situações semelhantes ao longo da sua vida. Como trabalhar estas situações nas nossas cabeças? Sentir arrependimento, culpa, esquecer ou refletir sobre elas? Eu acho difícil que alguém não se arrependa de alguma coisa que fez na vida. Quem nunca disse “eu não deveria ter comido tal coisa” ou “não deveria te dito aquilo”? O arrependimento ocorre quando as consequências do que fizemos são piores do que se tivéssemos feito outra coisa. Já a culpa é resultado de quando agimos diferente do que julgamos correto. Esquecer não tem como, o tempo não apaga as memórias marcantes, em algum momento elas irão aparecer. Por fim, refletir sobre estas situações pode ser um processo de cura.
Muitas vezes julgamos uma decisão do passado com o conhecimento que temos hoje. Não percebemos que acumulamos conhecimento, maturidade e experiências, que não somos a mesma pessoa daquela época. Mas, o fato de admitirmos que se pudéssemos voltar no tempo faríamos diferente, é um sinal de aprendizado, o que nos permite evitar que tais fatos se repitam. Cada decisão tem seus desdobramentos, eu não tenho como saber como seria a minha vida se eu tivesse optado por trabalhar em Portugal ou por tornar um negócio os nossos projetos acadêmicos? Será que eu teria vivido as tantas coisas boas que vivi se tivesse tomado outros caminhos? Quando investi em ações sabia dos riscos e perder dinheiro era um dos cenários. Hoje é fácil perceber que fiz escolhas erradas, mas aprendi que a pior decisão é “não tomar decisão”. O que se pode fazer nestas situações é acolher, exercitar a nossa autocompaixão e superar estes sentimentos. Se não conseguimos fazer isso sozinhos, então é o caso de buscar ajuda de profissionais.
“Somos os resultados das nossas escolhas” (Sócrates??)
Referências:
– Um olhar filosófico sobre as decisões humanas
– Você se arrepende de algo? Conheça a psicologia do arrependimento
– Arrependido da decisão, o que fazer?
– Arrepender-se do que não fez
Foto da Capa: Liza Summer / Pexels