Ocorre um erro médico quando uma conduta de um profissional da saúde, por negligência, imprudência ou imperícia, causa um dano a um paciente.
A responsabilidade do médico é subjetiva, isto é, depende de culpa e, além disso, é importante levar-se em conta que a obrigação do médico geralmente não é de resultado, ele está obrigado apenas a utilizar todos os recursos disponíveis para o tratamento do paciente.
Há alguns casos, no entanto, como em cirurgias plásticas, que são procedimentos estéticos em que se espera o resultado prometido. Veja este acórdão proferido pela Sétima Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT):
Acórdão 1230778, 00332191020158070001, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 19/2/2020, publicado no DJE: 17/3/2020.
“1. Os procedimentos cirúrgicos estéticos são obrigações de resultado, pois neles o médico assume o compromisso do efeito embelezador prometido. No entanto, a responsabilidade é subjetiva, cabendo a comprovação da existência do erro médico, a fim de que seja possível a responsabilização dos médicos pelo ato cirúrgico.”
Já a responsabilidade do Hospital pelos erros médicos causados pelos médicos e enfermeiros que nele atuam ou sejam conveniados é objetiva, ou seja, não se questiona se houve culpa ou dolo, basta o nexo causal entre o Hospital e o resultado danoso. A responsabilidade objetiva decorre de lei que a determine, é fundamentada na teoria do risco.
De acordo com o Código Civil, “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Em razão de disposição expressa do Código do Consumidor, que determina que há responsabilidade do fornecedor de serviços, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a fruição e riscos, os hospitais respondem objetivamente pelos danos causados pelos seus profissionais aos pacientes.
Vale transcrever parte da ementa de julgamento da Oitava Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Acórdão 1859208, 07247602520228070003, Relator: ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 7/5/2024, publicado no DJe: 17/5/2024.
“2. O hospital particular responde objetivamente pelos danos praticados pelos profissionais de saúde no exercício da função para a qual foram contratados, conforme previsto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. 3. A responsabilização do hospital, ainda que apurada objetivamente, está vinculada à comprovação da culpa do médico que realizou o procedimento, uma vez que, em relação a esse, a responsabilidade é subjetiva. 4. Para fins de responsabilização decorrente de erro médico, é essencial que o conjunto probatório do feito ateste, no mínimo, o nexo causal entre o resultado danoso alegado e a culpa do profissional de saúde que executou o procedimento…”.
Responsabilidade civil em decorrência de falha na prestação dos serviços referentes a procedimentos estéticos
Importante destacar que, além da responsabilidade civil dos médicos em procedimentos estéticos ser de resultado, precisará ficar provada a culpa do médico, do profissional da saúde na prestação dos serviços para que o respectivo profissional seja condenado.
Muito interessantes as seguintes decisões do TJDFT referentes a questões envolvendo cirurgias plásticas, procedimentos estéticos, abaixo reproduzidas parcialmente:
“Cirurgia plástica – melhora estética – ausência de falhas.”
“2. Aplica-se a Lei nº 8.078/90 às relações estabelecidas entre paciente, hospital e médico. Mas quando a pretensão repousa em possível falha na prestação do serviço pelo médico, a responsabilidade tanto do profissional de saúde como do hospital não prescinde da demonstração da culpa. 3. Os artigos 951 do Código Civil e 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, adotaram a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil dos profissionais liberais, a exemplo dos médicos, cuja caracterização fica condicionada à comprovação de que os danos sofridos decorreram de um serviço culposamente mal prestado (negligência, imprudência e imperícia). 4. Os procedimentos estéticos constituem obrigação de resultado, cabendo ao profissional garantir o alcance do benefício pretendido pelo paciente, sem o que haverá inexecução da prestação convencionada. 5. Se o conjunto de provas atesta que o atendimento do médico foi adequado, com a adoção dos procedimentos e tratamentos indicados para os sintomas apresentados e que houve melhora na estética, afastando erro ou imperícia do profissional, não há como atribuir ao fornecedor o dever de indenizar, especialmente em caso de abandono do tratamento pela paciente.”
Acórdão 1893189, 07075896120228070001, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 24/7/2024, publicado no DJe: 31/7/2024.
“Clínica de estética – caso fortuito externo – responsabilização afastada.”
“1. A responsabilidade civil de clínica de estética deve ser constatada com amparo na teoria da responsabilidade objetiva (CDC, art. 14). 2. A responsabilidade do médico, como profissional liberal, é de natureza subjetiva (CDC, art. 14, § 4º) e exige a identificação da tríade: culpa do agente, dano efetivo, moral, material e/ou estético, além do nexo de causalidade. Tratando-se de cirurgia de estética, obrigação de resultado, cabe ao cirurgião demonstrar alguma excludente (ausência de falha, fortuito externo ou culpa exclusiva do paciente). Precedentes. 3. Não se pode atribuir responsabilidade aos prestadores de serviços médico-hospitalares sem que haja falha na prestação. Não há, no Brasil, a chamada indenização por solidariedade nacional, resultante da alea terapêutica (alea therapeutike), que, basicamente, exige o resultado insatisfatório como critério para a obrigação de indenizar. 4. Ainda que se trate de procedimento estético – obrigação de resultado -, o hospital ou o médico não serão responsabilizados quando houver provas de inexistência de falha na prestação do serviço, for configurada culpa exclusiva do consumidor/terceiro ou ocorrer caso fortuito ou força maior. Precedentes. 5. Não há erro médico por convicção íntima do paciente. O conjunto probatório evidencia que as condutas adotadas pela profissional de saúde foram legítimas, em conformidade com a literatura médica, e não poderiam ter evitado os danos relatados (necrose e má cicatrização). Esses danos, embora raros, foram consequência da resposta do próprio organismo da autora e não decorreram de qualquer conduta/omissão da cirurgiã ou da clínica antes, durante ou após a realização do procedimento estético. 6. Demonstrada a ausência de falha na prestação do serviço e a ocorrência de fortuito externo, fatos que rompem o nexo de causalidade, é inviável a responsabilização das rés por danos materiais, morais ou estéticos.”
Acórdão 1846257, 07145338920218070009, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 18/4/2024, publicado no DJe: 25/4/2024.
Falha praticada por médico sem vínculo empregatício ou de subordinação com o hospital afasta responsabilidade objetiva do hospital
Se o profissional não tiver qualquer vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, também chamado de nosocômio, não haverá a responsabilidade objetiva e solidária do hospital pelos danos causados em razão dos serviços prestados pelo profissional. Assim, os danos causados pelos atos praticados por tais profissionais deverão ser por eles indenizados.
Leia-se o seguinte trecho de julgamento do TJDFT, abaixo transcrito:
“3. Segundo a orientação firmada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o hospital apenas responderá: (1) de forma direta e com responsabilidade objetiva pelo fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital; (2) solidariamente e desde que comprovada a culpa profissional quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital. Caso o profissional não tenha vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, não haverá responsabilidade do hospital por eventuais erros médicos perpetrados por esse profissional. (4) Os elementos probatórios dos autos demonstram que o paciente não procurou o hospital de forma independente para a realização do procedimento, mas sim foi encaminhado ao hospital réu por seu médico que já o acompanhava anteriormente. Trata-se de hipótese em que o médico se utiliza das instalações hospitalares para realizar os procedimentos de seus próprios pacientes. No caso, as evoluções diárias do paciente, os pedidos de exame e as prescrições de medicamentos foram feitas por esse mesmo médico responsável pela internação. (5) Diante desta situação, inexiste responsabilidade solidária entre a instituição hospitalar e o médico responsável por eventuais erros cometidos com culpa profissional por esse último, o qual não compõe o polo passivo da lide. (6) A perícia judicial concluiu que inexistem indícios de que tenha ocorrido falha na prestação dos serviços de forma direta pelo hospital.”
Acórdão 1843125, 07219181520218070001, Relatora: LUCIMEIRE MARIA DA SILVA, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 4/4/2024, publicado no DJe: 17/4/2024.
Muito esclarecedora a seguinte decisão do STJ, sobre as obrigações do complexo hospitalar pelos atos técnicos dos profissionais a ele vinculados:
“2. A jurisprudência desta Corte Superior, tocante à responsabilidade civil dos hospitais, está firmada no seguinte sentido: (i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (artigo 14, caput, do CDC); (ii) os atos técnicos praticados pelos médicos, sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (artigo 14, § 4º, do CDC); e (iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (artigos 932 e 933 do Código Civil), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (artigo 6º, inciso VIII, do CDC)’ (REsp 1.145.728/MG, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28.06.2011, DJe de 08.09.2011).” (Grifo nosso)
AgInt nos EDcl no AREsp 1937242/RJ, Terceira Turma, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, julgado em 20/11/2023, DJe de 22/11/2023.
Inaplicabilidade do Código do Consumidor aos serviços prestados pelo SUS
Tendo em vista que a prestação de serviços médicos pelo SUS não é remunerada, ela é custeada por meio de receitas tributárias, não existe, portanto, uma relação consumerista e, desta forma, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor – CDC nestes casos. Isso não quer dizer que não seja possível buscar uma indenização contra o hospital, mas nessa circunstância precisará ser provada a culpa do hospital pela prestação deficitária dos serviços.
Leia-se trecho de julgamento importante do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a respeito:
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DA JUSTIÇA. REJEITADA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. SUS. AUSÊNCIA DE REMUNERAÇÃO DIRETA. SERVIÇO PÚBLICO UTI UNIVERSI. PRÓPRIO E GERAL. NORMAS DE DIREITO PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSENTE DEMONSTRAÇÃO DE CULPA E DE CONDUTA ILÍCITA PRATICADA PELO RÉU. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. – Da impugnação à gratuidade da justiça: No caso concreto, verifica-se que o autor demonstra condição de hipossuficiência financeira. Ademais, incumbia à ré comprovar que o demandante ostentaria condição econômica a suportar as despesas processuais sem prejuízo de sua subsistência, o que não ocorreu. – Sistema único de Saúde e o Código de Defesa do Consumidor: No caso, o atendimento que é a razão de ser do presente processo foi prestado por meio do Sistema Único de Saúde, de modo que, inexiste qualquer tipo de remuneração direta no serviço de saúde, posto que seu custeio ocorre por meio de receitas tributárias. Desse modo, não há falar em relação consumerista ou aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor – CDC. – Mérito: Trata-se de ação indenizatória em que a parte autora alega que, no período pós-operatório, foram realizadas diversas radiografias para avaliar sua recuperação. Informa que, em setembro de 2016, recebeu alta médica, sendo-lhe comunicado que o pino implantado estava torto. Relata que, após a alta, devido às dores persistentes, passou a enfrentar dificuldades para caminhar e procurou o Dr. Fernando, que recomendou a retirada do pino. Optou por buscar outro profissional, que identificou a presença de um parafuso quebrado e indicou a necessidade de uma cirurgia de reversão. Afirma que teve de fazer uso de medicamentos e enfrentou dificuldades para trabalhar e se locomover. Argumenta ainda sobre a suposta baixa qualidade dos materiais utilizados e a ocorrência de erro técnico por parte do profissional responsável pela cirurgia inicial. Contudo, em vista dos elementos que constam dos autos, foi a própria parte autora quem optou por não seguir com o tratamento junto à equipe médica do hospital requerido, optando por realizar o procedimento cirúrgico com um profissional de sua escolha e por meio de convênio particular. Dessa forma, a eventual responsabilidade do hospital somente poderia ser considerada se fosse comprovada a prestação deficitária dos serviços iniciais, o que não ocorreu, conforme se vê da prova pericial que não indica qualquer ato negligente, imprudente ou imperito por parte da equipe do hospital, tampouco há nexo causal entre a conduta adotada pelos profissionais do nosocômio e as intercorrências posteriores mencionadas pela autora. Apelo desprovido. Sentença mantida. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 50021912720178210017, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 24-10-2024)
Considero importante que as pessoas conheçam os seus direitos, ainda que jamais precisem se socorrer deles. Mas caso aconteça algum erro médico, procure um advogado, alguma reparação pode ser possível. Uma boa semana a todos.
Foto da Capa: Freepik
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