Com frequência encontramos publicações nas revistas, redes sociais e em outros veículos de informação, de imagens de pessoas que parecem desfiguradas, pelo menos aos olhos dos autores das matérias, em decorrência de procedimentos ou cirurgias plásticas, cujo resultado estético foi desastroso, por erro médico. Tais publicações, muitas vezes sensacionalistas, ultrapassam com frequência os limites da moralidade e ofendem a dignidade das pessoas escolhidas para serem os exemplos do que não fazer. Não raro são tendenciosas visando chamar a atenção dos leitores e dos patrocinadores para seus textos. A única meta é vender, sem se importar com a dor e sofrimento que irão impingir aos citados em seus artigos. Aliás, geralmente os maiores críticos à aparência alheia estão longe de terem sido privilegiados com uma bela figura, e muito menos têm o talento e o sucesso das pessoas que mencionam. Parece até que alegram seus egos ao mostrar para o mundo que existem outras pessoas que sob um “relativo ponto de vista estético” estão fora dos padrões adotados ou estão tão infelizes quanto eles. Chego a pensar que tamanha maldade em criticar a aparência dos outros seja para apaziguar-se com a própria imagem física e profissional, sendo bem prático, seja decorrência da mais pura inveja, e se eu fosse uma das vítimas de tais publicações com certeza ajuizaria uma ação indenizatória pelos danos morais decorrentes de tais ofensas.
Por outro lado, em razão do crescimento exponencial de novas técnicas e tipos de procedimentos estéticos, cada vez com mais frequência vê-se o julgamento de ações pedindo indenizações pelos danos causados em razão de erros médicos, que obviamente acontecem em procedimentos variados e em cirurgias plásticas. Já há acusações coletivas de erro médico promovidas por associações, como o caso de um grupo de mulheres representadas pela Associação AME, que alegam terem sofrido danos físicos e emocionais severos em decorrência de procedimentos estéticos.
Geralmente a responsabilidade civil, ou seja, o dever de indenizar o dano causado ao outro, decorre do descumprimento de um contrato, ou de um ato ilícito que causa prejuízos ou danos ao outro. De acordo com o Código Civil, comete um ato ilícito, aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.
Normalmente, o entendimento com relação a obrigação assumida pelo médico perante o paciente, é de que existe uma obrigação de meio, ele deve desempenhar suas funções com zelo, utilizar as melhores técnicas e sua perícia para se chegar a um determinado fim, sem que haja a obrigatoriedade de que o resultado esperado ocorra.
Todavia, com relação a cirurgias plásticas, e o mesmo entendimento também vale para outros tipos de procedimentos estéticos realizados até mesmo por dentistas, há sim uma obrigação de resultado, que deverá ser compatível com o prometido e o esperado. Por exemplo, é razoável imaginar que ninguém coloque silicone para ficar com os seios disformes, assimétricos, virados para o mesmo lado, ou retira o “excesso” das pálpebras para depois não conseguir mais sequer fechar os olhos ou ficar com cara de quem acabou de levar um susto, ou faz uma harmonização facial para ficar com a cara do fofão, antigo boneco de um programa de TV.
Nesses casos, quando o resultado danoso acontece, as vítimas da negligência ou imperícia médica, e em alguns casos até de má-fé, têm o direito a serem indenizadas pelos danos que tiverem sofrido, sejam eles danos materiais, danos morais, danos estéticos, danos funcionais (quando houver sequelas), ou lucros cessantes. Isso irá depender de cada caso concreto, imagine uma modelo que tiver ficado deformada, uma pessoa que não puder mais trabalhar em razão de sequela de algum procedimento… Em algumas circunstâncias, a vítima poderá solicitar, além de uma indenização pelos danos materiais, morais, estéticos, funcionais e lucros cessantes, que o autor do danos custeie os procedimentos reparadores, tratamento psicológico, fisioterapia, despesas com acompanhantes, exames, uma pensão, etc.
Em 12 de setembro de 2022, publiquei aqui na SLER um artigo sobre “A diferença entre danos morais, existenciais e estéticos”, onde essas definições podem ser encontradas. Mesmo assim, vale lembrar que enquanto o dano moral corresponde a uma violação ao psique da pessoa à sua imagem, o dano estético decorre da modificação estrutural do corpo da vítima, da deformidade que lhe foi causada, e que portanto é cabível a cumulação de danos morais com danos estéticos ainda que decorrentes do mesmo fato, quando for possível identificar em separado cada um dos danos.
A este passo, vale destacar o seguinte entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no AgRg nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 328/110-RS (2013/0100013-4), com a magnifica lição do Ministro Luiz Felipe Salomão sobre o tema:
“1. De acordo com vasta doutrina e jurisprudência, a cirurgia plástica estética é obrigação de resultado, uma vez que o objetivo do paciente é justamente melhorar sua aparência, comprometendo-se o cirurgião a proporcionar-lhe o resultado pretendido.
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2.1 Como se sabe, a responsabilidade médica é fundada, via de regra, em obrigação de meio, ou seja, o médico assume a obrigação de prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, com os recursos de que dispõe, e com o desenvolvimento atual da ciência, de modo a proporcionar ao paciente todos os cuidados e conselhos tendentes à recuperação da sua saúde. Nada obstante, a cirurgia plástica estética, consoante vasta doutrina e jurisprudência, é obrigação de resultado, uma vez que o objetivo do paciente é justamente melhorar sua aparência, comprometendo-se o cirurgião a proporcionar-lhe o resultado pretendido. Doutrina abalizada comunga este entendimento: O que importa considerar é que o profissional na área de cirurgia plástica, nos dias atuais, promete um determinado resultado (aliás, essa é a sua atividade-fim), prevendo, inclusive, com detalhes, esse novo resultado estético procurado. Alguns se utilizam mesmo de programas de computador que projetam a simulação da nova imagem (nariz, boca, olhos, seios, nádegas etc.), através de montagem, escolhida na tela do computador ou na impressora, para que o cliente decida. Estabelece-se, sem dúvida, entre médico e paciente relação contratual de resultado que deve ser honrada. Portanto, pacta sunt servanda. (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 645-646) No mesmo sentido, o magistério de Sergio Cavalieri: Não se pode negar o óbvio, que decorre das regras da experiência comum; ninguém se submete aos riscos de uma cirurgia, nem se dispõe a fazer elevados gastos, para ficar com a mesma aparência, ou ainda pior. O resultado que se quer é claro e preciso, de sorte que, se não for possível alcançá-lo, caberá ao médico provar que o insucesso – total ou parcial da cirurgia – deveu-se a fatores imponderáveis. (Programa de Documento: 31282966 – EMENTA, RELATÓRIO E VOTO – Site certificado Página 4de 13 Superior Tribunal de Justiça Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Malheiros, 2003, p. 378)”
Desse modo, se você for vítima de um erro médico em procedimento estético, não deixe de considerar a hipótese de buscar em juízo a responsabilização de quem lhe causou um dano, e um justo ressarcimento pelas perdas e danos que tiver sofrido. Não há porque sofrer tantos danos e não buscar uma indenização. E se você for vítima da turminha que mencionei no início do texto, que adora vender o sofrimento alheio, não deixe de entrar com uma boa ação indenizatória contra eles, e saiba que, em alguns casos, além do dano moral causado pelo deboche, pela crueldade, desdém, injúria, difamação, eles também poderão responder pelo dano moral decorrente do uso da sua imagem sem autorização alguma.
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