Quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência em 2019, sua vitória não significou apenas a existência de um líder de extrema direita no comando de um dos maiores países do mundo, mas a oportunidade que muitos aguardavam para avançar e redefinir uma nova agenda na ordem internacional. E isso é que cessou quando foi declarada sua inelegibilidade por oito anos nesta semana. O efeito é também internacional e sobre a direita no mundo. Porém, Bolsonaro promete manter-se “100% ativo” na política. O ex-presidente, aos 68 anos, somente estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos, ficando afastado, portanto, de três eleições até lá (sendo uma delas a nacional de 2026).
Bolsonaro e aliados querem usar os holofotes para investir na imagem de que o ex-mandatário fora vítima de um processo injusto. O discurso começa por apontar diferenças no tratamento dado ao seu caso e ao processo, também analisado pelo TSE, sobre a chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), que em 2017, absolveu a chapa formada por ambos. Além de a ação ter corrido de forma mais demorada, aliados do ex-presidente apontam que naquela ocasião o TSE não admitiu a inclusão de elementos que não estavam nos autos desde o início do processo, ao contrário do que ocorreu no caso de Bolsonaro.
“Na minha idade, gostaria continuar ativo cem por cento na política. E, tirando meus direitos políticos que, no meu entender, é uma afronta, aí você perde um pouquinho desse gás”, afirmou Bolsonaro dias antes de ser julgado. A atuação que Bolsonaro pretende manter é focada no seu cargo de presidente de honra do PL. Ele assumiu o posto quando retornou ao Brasil dos Estados Unidos, para onde havia viajado nos últimos dias do ano passado como forma de não cumprir o tradicional rito da passagem da faixa presidencial para o seu sucessor.
O partido alugou uma sala comercial em Brasília para o ex-presidente trabalhar. Também passaram a ocupar cargos no PL a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro, presidente do PL Mulher e o ex-ministro Braga Netto. Segundo aliados, Bolsonaro recebe no local parlamentares, prefeitos e vereadores, entre outros. Esses políticos usam muitas vezes uma foto ao lado do ex-presidente como trunfo em suas bases. O casal também é remunerado em seus cargos partidários além de ter o aluguel de sua casa em Brasília paga pela sigla.
Outra rotina que Bolsonaro quer manter é a de viagens. Enquanto o TSE realizava a primeira sessão do julgamento de seu caso, no dia 22, Bolsonaro participava de encontro com caminhoneiros no Rio Grande do Sul. No domingo (25), ele esteve em São Paulo para acompanhar um jogo de futebol entre Palmeiras e Botafogo. A expectativa é que semanalmente o ex-presidente cumpra roteiros pelo País, sendo o principal ativo político do partido e caracterizando-se, desde logo, como cabo eleitoral.
De acordo com interlocutores da legenda, Bolsonaro tem valor eleitoral independente do resultado do TSE. A avaliação é que ele tem forte potencial de transferência de votos a candidatos da direita. Além do mais, esses potenciais candidatos não necessariamente carregam a rejeição associada a Bolsonaro, algo que também é visto como um trunfo pelo PL.
Um esforço de anistia
Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro dizem que a decisão do TSE é um tiro no pé do ponto de vista político e que garante a ele holofote pelos próximos anos. Tratam o tema como uma injustiça e destacam que ele continuará o líder da direita no Brasil. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), cotado como herdeiro do espólio de Bolsonaro em 2026, fez questão de destacar sua lealdade ao presidente. Como “representante da direita brasileira é inquestionável e perdura. Dezenas de milhões de brasileiros contam com a sua voz. Seguimos juntos, presidente”, afirmou. Já Valdemar Costa Neto, presidente do PL, disse que ele será o “eleitor mais forte da nação” nas próximas eleições. “Vamos trabalhar dobrado e mostrar nossa lealdade ao presidente Bolsonaro. Podem acreditar que a injustiça de hoje será capaz de revelar o eleitor mais forte da nação.”
Já Ciro Nogueira, ex-ministro da Casa Civil e dirigente do PP, disse que “a esperança está mais viva do que nunca” e que “ninguém pode condenar um povo a não amar um líder”. O projeto de lei apresentado pelo deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) de anistiar Bolsonaro pode não ter chances de prosperar, mas não se descarta que ele possa ganhar força nos próximos anos, a depender do cenário político. Há um temor de uma ala de interlocutores de Bolsonaro de que ele caia em desânimo, como temia-se que poderia ocorrer no primeiro dia de julgamento.
Depois do resultado, comparou a inelegibilidade à facada, mas disse não estar morto. “Hoje vivemos aqui uma inelegibilidade. Não gostaria de me tornar inelegível. Na política, e essa frase não é minha, ninguém mata, ninguém morre”, afirmou Bolsonaro, em Belo Horizonte.
“Espero, né, porque tentaram me matar em Juiz de Fora há pouco tempo com uma facada na barriga. E hoje levei uma facada nas costas com a inelegibilidade por abuso de poder político”, completou ele.
Os outros crimes estão na fila
No Tribunal Superior Eleitoral, tramitam 16 processos no total que podem tornar Bolsonaro inelegível. Entre eles, ações por ataques verbais ao sistema eleitoral ou pelo suposto uso da máquina pública em benefício próprio durante as eleições. No primeiro já foi condenado e está fora das eleições presidenciais de 2026.
Bolsonaro é alvo de cinco investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), suscetíveis a penas de prisão. Quatro foram abertas durante sua presidência (2019-2022), enquanto na última ele é investigado como o suposto instigador do ataque de seus apoiadores à sede dos Três Poderes, em 8 de janeiro em Brasília. Em um dos casos, Bolsonaro é acusado de interferir na polícia para proteger familiares suspeitos de corrupção. Ele também está sendo investigado, em outro caso separado ao do TSE, por disseminar informações falsas sobre as urnas eletrônicas. As outras duas investigações são por ter vazado informações sigilosas de uma investigação policial sobre um ataque cibernético à Justiça Eleitoral e por declarações sobre a pandemia de covid-19, quando associou a vacina a um suposto risco de contrair HIV.
Sem foro privilegiado após deixar a presidência, ele também deve responder a processos em primeira instância. Entre eles, é acusado de “subversão da ordem” por sua participação em manifestações com antidemocráticas em 7 de setembro de 2021. Se for condenado de forma definitiva à pena máxima por esses crimes, o ex-presidente enfrentaria quase 40 anos de prisão.
Bolsonaro também é investigado pela Polícia Federal (PF) por vários conjuntos de joias doadas pela Arábia Saudita, algumas das quais teriam entrado no Brasil de forma irregular em 2019. O escândalo inclui um conjunto de colar e brincos de diamantes destinados à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, reavaliados pela imprensa em cerca de 8 milhões de reais. Esse conjunto foi apreendido pela alfândega quando uma delegação ministerial tentou trazê-lo para o Brasil em 2021.
O caso pode configurar crime de peculato (apropriação de bens públicos) ou tributário, pela entrada de bens privados sem a devida declaração e pagamento de impostos. Em seu depoimento de abril à PF, Bolsonaro negou ter cometido qualquer crime. Ele também negou em maio ter participado da suposta falsificação de seu certificado de vacinação contra a covid-19, assim como de outros familiares. No âmbito desta investigação, a polícia fez uma operação na casa do ex-presidente, um cético em relação à covid que sempre alegou não ter sido vacinado.
Foto da Capa: Os ministros Benedito Gonçalves e Cármen Lúcia durante sessão que condenou Bolsonaro – Marcelo Camargo/Agência Brasil