Crianças estão se tornando promotores de produtos nas redes sociais.
Pergunte para uma criança que você conheça sobre o que ela deseja ser quando crescer. Existe uma grande probabilidade de a resposta ser: youtuber, influencer ou coisa parecida. Podemos pensar que elas dizem isto agora, afinal, são crianças, quando crescerem vão entender a importância do estudo e de ter uma profissão, certo? Errado!
As crianças de hoje não só desejam atuar nas redes sociais, como algumas já estão trabalhando. No dia 25/11/24, o Portal G1 publicou uma matéria sobre os influenciadores mirins que trabalham para a Kiwify e Cakto, que são plataformas digitais nas quais a pessoa pode se inscrever gratuitamente para ganhar dinheiro promovendo produtos. A reportagem identificou trinta e três perfis de crianças no Instagram e no TikTok com milhares de seguidores, que aparecem vendendo produtos e dizem que faturam fortunas. Quando um vendedor atinge 100 mil reais em vendas, recebe uma cesta de brinde, que inclui bebidas alcoólicas. Várias destas crianças já receberam bebidas alcoólicas como prêmio. Quando questionadas, as duas empresas disseram que só aceitam vendedores maiores de 18 anos, mas as fotos e os vídeos mostram claramente que são crianças que estão trabalhando.
No Brasil, menores de 16 anos só podem trabalhar para fins artísticos e com autorização judicial. Segundo a advogada Kelli Angelini, isso inclui atuar como influenciador nas redes sociais. Se isto é verdade, existe uma brecha na lei para que menores de 16 anos trabalhem nas redes sociais. Algo lamentável e que deve ser corrigido.
Mas por que as empresas procuram tantas crianças para anunciar produtos? Porque elas possuem carisma e autenticidade no que apresentam. Muitas vezes, elas apresentam situações do cotidiano que geram identificação com outras crianças e com as famílias. Quem não acha engraçadinho uma criança oferecendo um produto do seu jeitinho, com o seu vocabulário? Outras vezes nos chama a atenção a sua capacidade empreendedora.
Numa primeira olhada, parece lindo uma criança demonstrando o seu talento e mostrando que poderá ser uma grande empreendedora. Mas, se pararmos para pensar um pouquinho, nos daremos conta de que existe uma série de questões éticas, sociais e psicológicas que já estão afetando e que irão afetar essa criança.
Se o cadastro só pode ser feito por maiores de 18 anos, então ele foi feito pelos pais ou foi adulterado por alguém. Muitas vezes, os pais projetam nos filhos suas ambições, ou veem nos filhos uma oportunidade de uma fonte extra de renda e passam a estimulá-los a exercer tais atividades. Estas crianças, que deveriam estar brincando e explorando o mundo ao seu ritmo, passam a sofrer pressões por desempenho.
A exposição massiva nas redes sociais torna elas “pessoas públicas”, perdendo a sua privacidade. Em muitos casos, elas contam da vida pessoal e mostram vídeos sobre a sua casa e suas atividades. A métrica de sucesso da criança passa a ser o número de seguidores, número de likes, os comentários dos seguidores, vendas realizadas, ou seja, uma busca incessante por aprovação. Esta exposição precoce pode torná-las alvos de cyberbullying ou mesmo de comentários maldosos.
Na mesma semana em que foi publicada esta reportagem sobre os influenciadores mirins, na Austrália foi proibido o acesso de menores de 16 anos às redes sociais. Lá eles não podem nem acessar as redes, aqui eles podem trabalhar nas redes. Os especialistas de diferentes áreas têm destacado que os nossos cérebros “são esculpidos” pelas nossas experiências na infância. Embora no Brasil existam direitos da criança e do adolescente, eles são frequentemente violados, muitas vezes pelos próprios pais que desejam ter “filhos de sucesso”. Alguém dirá que as crianças de hoje querem ser donas do próprio negócio quando crescerem. Sim, mas é preciso diferenciar o estímulo ao desenvolvimento da criatividade e do empreendedorismo, sem comprometer o bem-estar destas crianças e adolescentes, de torná-las trabalhadoras expostas às pressões do mercado nesta fase da vida.
Por fim, é preciso ter claro que “empreender” implica em viver num constante estado de tensão. Esta tensão tem efeitos colaterais e um desgaste mental e emocional inevitável, o que pode gerar transtorno de ansiedade, depressão, estresse, ataques de pânico, e as consequências destes desgastes podem ser permanentes. Sabendo disso, você estimularia uma criança entre 6 e 16 anos a correr este risco?
Referência:
– G1/Globo: Influenciadores mirins chegaram a receber bebida alcoólica como brinde de empresas de marketing de afiliados – 25/11/2024
– PsyMeet: Como empreender afeta a saúde mental (e como lidar com isso)
Todos os textos de Luis Felipe Nascimento estão AQUI.
Foto da Capa: Valentina Domingues / Influenciadora Mirim / Divulgação