Já não sei dizer quando foi que me deparei pela primeira vez com uma placa, a caminho de Bagé, anunciando a construção de uma obra de arte. No meio do nada, muito estranho. Não demorou muito, mais outra e mais outra anunciando sempre novas obras de arte na mesma estrada. O que é isso? Quase gritei. Uma Inhotim linear em pleno Pampa?
Que nada! O jargão rodoviário nomeia assim a construção de toscas pontes e viadutos. Enquanto ria sozinho da gozação ou ironia – esses engenheiros! – comecei a pensar de onde podia vir tal nominação. Lembrei-me das maravilhosas estruturas de ferro que o historiador da arte Giulio Carlo Argan chamou de Arquitetura dos Engenheiros e me dei conta que a língua nos prega peças.
No final do século XVIII, a engenharia se deslumbrou com as possibilidades construtivas do ferro e com o potencial do cálculo estrutural que se aprimorava. Desenhavam estruturas inspirados na beleza das relações matemáticas como se fossem músicos escrevendo suas partituras. E não só pontes, também estações ferroviárias, mercados, pavilhões e outras estruturas que necessitavam grandes vãos até então impossíveis de serem construídos. Nesse mesmo diapasão, muito tempo depois, Eiffel fez sua torre de radiodifusão e distinguiu Paris para sempre.
Antes disso, não é que as pontes fossem toscas como as nossas. Pelo contrário, de madeira, pedra ou tijolos, sempre foram belas. As do período romano, com seus arcos maravilhosos, eram – e são, estão lá – esplendorosas. Construir sem beleza, de maneira utilitária e prática, é coisa do nosso moderno mundo industrial. Antes, engenharia, arquitetura e escultura eram tão aninhadas num mesmo propósito que ficava difícil distinguir onde começava uma e terminava a outra.
Não gosto de ficar remoendo a tristeza de ver o lugar que a estética tomou em nossas vidas, mas não há como não ver que nos afastamos de valores não materiais. Até as novas igrejas que proliferam pelo país, casas do espírito por excelência (em princípio), são de uma pobreza estética de chorar. Talvez a moda, o próprio corpo e o design dos automóveis sejam os últimos bastiões do desejo de beleza em grande escala.
Se é lamentável a feiura das nossas pontes e viadutos nas estradas, pior é ver que o desinteresse estético também invadiu nossas cidades. A engenharia de tráfego virou nossas cidades do avesso a serviço dos automóveis. Viadutos implantados como se as avenidas fossem estradas, como se não houvesse lindeiros e pedestres. Calçadas estreitas a favor de numerosas faixas de trânsito que não levam em conta se os pedestres irão caber nelas. Sem falar que é na calçada que são colocados os postes, transformadores, lixeiras, sinalização e propaganda dirigida aos motoristas e sei lá o que mais de infraestrutura necessária para que a cidade automobilística “funcione”.
Não posso deixar de lembrar que o professor Argan também foi prefeito de Roma. Isso por si só mostra quais são os valores importantes que seus cidadãos queriam preservar na Cidade Eterna. Curitiba teve o inspirado arquiteto Jaime Lerner como prefeito e passou por uma revolução estética com resultados conhecidos.
As belas cidades do mundo tem isso, tem história para mostrar para os milhões de visitantes que todos os anos são atraídos para elas. E se beleza e cultura são pouco para sensibilizar gente de negócios, é preciso dizer que é impressionante o volume de recursos que ingressam nessas cidades por causa do turismo.
Mas enquanto alguns prefeitos se inspiram em Roma, Curitiba, Medellín, Buenos Aires ou Montevidéu, outros olham para Dubai, São Paulo ou Camboriú, onde o prazer é olhar para cima para ver gigantescos edifícios inanimados. À noite, iluminados, até ganham vida. De dia, ao rés-do-chão, sombras e mais carros do que gente.
Se Dubai brotou no deserto, aqui querem construir um simulacro dela por cima de centros urbanos consolidados. Como o dinheiro não jorra como lá, o arremedo é inevitável. Apaga-se a memória legítima para pôr no lugar um produto falso, que remete ao que não pode ser. Os edifícios não passam de intenções glamourizadas pela publicidade. As imagens computadorizadas dos lançamentos brilham mais do que a realidade construída e muitos se deixam enganar porque, sim, querem se sentir como se estivessem lá (Dubai, Miami?). Mas mesmo que fossemos ricos como eles, a ideia, como vimos, seria péssima. Não o sendo, ela é de uma estupidez maior que o mais alto edifício construído por lá.
Foto da Capa: Fábio del Re | Divulgação