Conectar a produção de pesquisas nas universidades com o que o Brasil precisa para valorizar sua biodiversidade. Aprofundar o conhecimento das Soluções Baseadas na Natureza para encontrar saídas para os problemas da atualidade. Atrair capital privado para investimentos de longo prazo para negócios que tragam benefícios para todos: populações, Estado e mercado. Esses foram alguns dos pontos abordados em um dos trocentos talks do South Summit. Na agenda, a atividade apareceu com o título Startup Investiments in the Amazon: A Brazilian Unmissable Opportunity no dia 29 de março.
Claro que esse tema não atraiu atenção da imprensa local, que prefere focar em outras pautas mais ambientais e onde estão as autoridades e patrocinadores. Aliás, vale conferir a cobertura que estamos fazendo aqui na Sler, com olhares sob outros ângulos do evento. Inclusive se quiser saber de onde vem esse termo Summit, clica aqui que vale muito o texto da Marlise Brenol.
Mas como estou conectada em temas socioambientais há muitos anos, digo que esse painel foi uma preciosidade, um dos momentos mais interessantes do primeiro dia. Em especial porque acho que nunca alguém mencionou o que esses rapazes contaram aqui no Rio Grande do Sul em um evento com tanta gente fora da bolha socioambiental.
A começar pelo sentimento do próprio mediador, o Fersen Lambranho, presidente do Conselho de Administração da GP Investiments e da G2D, além de conselheiro de administração e vice-presidente da GP Advisors, Spice Private Equity e The Craftory. Ele revelou estar emocionado em estar entre “esses dois heróis”: Mariano Cenamo, um dos fundadores do Idesam e que está a frente hoje da Amaz, a maior aceleradora de impacto do Norte do País e Daniel Pimentel, co-fundador e diretor da Emerge, onde atua com propriedade intelectual, prospecção tecnológica e muitas outras coisas que envolvem a conexão entre universidade, indústrias e governos.
Lambranho sabe o significado do trabalho desses caras. Mariano há cerca de 20 anos deixou São Paulo para criar junto com amigos o Idesam, uma das organizações de maior respeito e admiração da Amazônia, em Manaus. E Pimentel, pesquisador e mestre em modelagem de sistemas complexos da USP e idealizador do primeiro Ranking de Universidades Empreendedoras.
Eles são entusiastas do potencial brasileiro, tanto em cérebros quanto no aproveitamento das nossas riquezas naturais. O Brasil é o país com maior biodiversidade de espécies do mundo. No primeiro dia do evento, de um calor insuportável, o engenheiro florestal Mariano logo conectou as altas temperaturas que temos vivido no Sul ao agravamento da crise climática. Ele contou que 65% dos pesquisadores de Stanford querem investigar questões relacionadas a clima e energia, pois essa é uma demanda global. Destacou a posição do Brasil de sétimo lugar no ranking de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) do mundo devido ao seu mau uso do solo, principalmente devido a ocorrência de queimadas.
Ele lembrou o quanto os migrantes do Sul foram os pioneiros no “desenvolvimento” da região Norte. Afinal muitos gaúchos e seus descendentes subiram o mapa atrás de prosperidade. Foram estimulados, inclusive pelo governo da época, a ocupar o território, desmantando, criando gado e plantando em grandes extensões de terra. Só que hoje, segundo ele, é preciso deixar de lado essa visão do século XX.
A Amazônia tem muitas oportunidades para outros tipos de negócios, mas não no curto prazo. E que é fundamental considerar que tudo deve ser feito com a manutenção da floresta em pé. Ele sugere que há muito campo para investimento em logística de transporte (fluvial, aéreo, ferroviário e terrestre); cadeias de valor como o cacau (para o Brasil retomar sua posição de maior produtor); psicultura (com a valorização de espécies nativas, como o pirarucu e o tambaqui. Não sei se você sabe, mas com toda riqueza de peixes que temos, a espécie mais cultivada no Brasil é a tilápia, que é de origem africana); Soluções Baseadas na Natureza (há um gigantesco campo nessa área pois há muito a ser descoberto); e pesquisa e aplicação de fármacos e fungos.
Já prestei serviços como jornalista e consultora de comunicação para o Idesam e sei o quanto as palavras de Mariano tem uma fundamentação pela sua vivência. Ele veio pela primeira vez a Porto Alegre e ficou impressionado com o tamanho do South Summit. Já o Daniel, que conhece bem a cidade porque sua namorada é daqui, me deixou de queixo caído com sua desenvoltura e atuação da sua empresa.
Segundo Daniel, o país produz muita Ciência, tem muitas pesquisas sobre nossos biomas (Caatinga, que só existe no Brasil; Mata Atlântica, Cerrado, Amazônia e Pampa). Porém faltam desenvolver produtos para os mais de 80 mil ativos da biodiversidade. Para citar alguns exemplos do quanto precisamos valorizar nossas riquezas naturais, Daniel citou a baunilha, cuja grama equivale ao valor da prata. O Brasil tem várias espécies dessa orquídea.
Ele deu algumas pistas do quanto precisamos investir mais em pesquisa, desde a básica até a produzida nas universidades brasileiras. Os orçamentos dos institutos de pesquisa são ínfimos, comparados a outros países. E cita cinco pontos que, acredita, deveriam ser considerados no momento de escolha do que estudar a fundo: o quanto a pesquisa é relevante em relação a seus ativos; como o objeto de estudo pode ser aplicado à Ciência; saber o qual estágio de desenvolvimento está; valorização dos cientistas que fazem parte do processo; e se há algum potencial de mercado para as descobertas.
Fiz entrevista com os dois ao vivo no meu Instagram, vale conferir. Clique para ver o que disse Mariano Cenamo aqui. E o Daniel Pimentel, aqui. E me siga no Instagram para acompanhar novas entrevistas: @silmarcuzzo.
Para encerrar, quero só dar uma contextualizada sobre o tema em nossos pagos. Há muitos anos ouço de ambientalistas, como o professor de Botânica da Ufrgs Paulo Brack, o quanto precisamos aproveitar a nossa biodiversidade em todos lugares: arborização urbana, cozinha, indústria, design etc. Suco de butiá, a madeira do açoita cavalo, as mil e uma utilidades das folhas de palmeiras. E aí me pergunto: temos tanta diversidade de paisagens, culturas e ambientes únicos, onde se encontram dois biomas a Mata Atlântica e o Pampa, mas por que não aproveitamos isso para alavancar nosso diferencial?
Temos muito que aprender com as inovações de outras partes do país. Precisamos cada vez mais conectar o que acontece na Amazônia com o Sul. Temos muito a reconhecer o valor ancestral da sabedoria dos povos originários. Mas se você acha que podemos viver sem o que rola lá em cima do Brasil, lembro de uma informação importante: é de lá que vem boa parte da chuva que cai no Sul e Sudeste. Ou seja, sem os rios voadores, todo mundo, o agro, o pop, a urbes, o talk (até rimou!) todo mundo sai perdendo.
Talvez o primeiro passo para inovar de verdade seja descolonizarmos a nossa mente. Não copiando modelos que já sabemos (ou melhor, a Ciência, sabe onde vai dar). Mas fazer de um jeito em que todos ganhem: planeta, quem propõe e quem recebe e toda comunidade.
Foto da Capa: Tambaqui/Wikipedia