Quem está seguro? Você se sente seguro? Sobre seu futuro, sobre sua saúde, sobre ser amado? Hoje, uma amiga, ao ver a notícia sobre mais um avião que caiu no Canadá – dessa vez com um resultado aparentemente menos trágico -, me disse: “Não dá mais para andar de avião! Toda hora está caindo um!” Mas então, o que ainda é possível fazer? O que é garantido nessa vida? Parece cada vez mais difícil sustentar esse lugar do não saber e do desconhecido frente a garantias antes mais possíveis de se afirmarem e agora não tanto. Ser médico ou engenheiro já não garante um futuro financeiro estável como na época dos meus pais. Aliás, o futuro por si só e a perspectiva de que nós, humanos, ainda estaremos aqui já não são mais garantidos também. Mas então, como se vive e sobrevive emocionalmente frente a esses tapetes que persistentemente vêm sendo puxados sob nossos pés?
As relações humanas são uma fonte inesgotável de situações que podem acionar os sentimentos mais arcaicos relacionados à conexão ou abandono, ligação ou desamparo. Amar requer essa entrega e consequente dependência em certo grau (e quem sabe o que ou quanto é o certo?), o que assusta e faz com que o indivíduo se sinta vulnerável. Até mesmo o nome “indivíduo” nessa hora pode ser questionável. O que até então era não dividido agora sente um pedaço de si no outro. E se a vida corre bem, é exatamente isso que deveria acontecer por algum tempo. Ao contrário do que vem se bradando defensivamente nos dias atuais, eu preciso sim de um outro, amar-se a si mesmo não acontece antes de amar ao outro, mas justamente devido a um outro. Mas, no pacote todo, ninguém consegue sentir-se seguro o tempo todo. E relações exigem manutenção, lavagem e limpeza, revisões de quilometragem. Lembrando aqui que isso não se restringe às relações amorosas conjugais ou sexuais, mas a todas que envolvem afeto.
Por falar em lavagem e limpeza, dias atrás, ao lavar a louça, tive que parar durante o processo por uma questão doméstica que me roubou a atenção. Devido a isso, parte da louça já ensaboada, mas ainda não enxaguada, permaneceu sobre a bancada da pia por bastante tempo e ressecou. Foi preciso enxaguar e lavar novamente. Um trabalho dobrado porque a finalização não foi bem-feita. Ou então a prova de que nem sempre o mais importante para deixar algo limpo é a parte da lavagem, mas do enxágue. Parece bobo, mas acho isso sério. A gente gasta sabão em dobro quando não conclui o que precisa ser limpo. Acho que já deu pra entender que não estou mais falando de detergente, certo?
Estou falando de ter gente. Gente que completa seus ciclos, que vai até o fim. Processo parecido se dá com a lavagem de roupas. Deixar peças já lavadas dentro da máquina de lavar sem estendê-las é mais do que lavar em dobro, porque ainda se tem o cheiro ruim que fica.
Insegurança e conclusão de ciclos me parecem ter bastante relação. Quanto mais inseguros, mais deixamos as coisas por fazer, seja em função do medo de não conseguir cumprir com o desejado ou o medo de desapontar ou perder quem nos cerca. Louças e roupas estão aí para isso, pessoas também, mas nunca é tão simples limpar um vínculo depois que ele é deixado na bancada da pia depois de limpo ou dentro da máquina de lavar.
A vida é meio patética mesmo ou então sou eu quem vê nela mais complexidade do que deveria, quando o que eu precisava mesmo era só lavar a louça e não pensar tanto.
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Foto da Capa: Gerada por IA