Muhammad Ali todo mundo conhece. Foi o mais importante lutador de boxe de todos os tempos, um atleta reconhecido e premiado, um símbolo na luta contra a opressão, o racismo, o preconceito. Era ainda uma figura complexa, mais intuitivo do que racional, porém corajoso e com uma perfeita noção dos conflitos raciais. Conflitos estes que ele desafiava, atacando o establishment e se alinhando ao islamismo pregado por Malcolm X (com quem viria a romper) e por Elijah Muhammad, que seria seu guru. Na época, meados dos anos 60, Ali e Malcolm eram “os dois negros mais livres do século 20”, na definição do intelectual e ativista Cornel West, e viviam uma relação intensa, porém curta – durou pouco mais de dois anos. Quando se aproximaram, em 1962, Muhammad Ali, então ainda Cassius Clay, era um jovem fenômeno do boxe, ganhador aos 18 anos da medalha de ouro nas Olimpíadas de Roma em 1960.
Malcolm X quase todo mundo conhece. Mais de uma década e meia mais velho do que Muhammad Ali, Malcolm era o mais destacado ministro da Nação do Islã, o principal agrupamento político-religioso dos negros norte-americanos na época. A amizade entre os dois terminou em 1964, quando Malcolm X rompeu com o líder da Nação do Islã, Elijah Muhammad, e o recém-convertido Muhammad Ali escolheu o lado do líder em detrimento do amigo, que até então era seu principal mentor religioso e político. No dia seguinte ao de sua vitória sobre Liston, o novo campeão mundial revelou que teria se filiado à Nação do Islã e que a partir daquele momento, passava a adotar o nome de Muhammad Ali. Além de se engajar no combate ao racismo, Ali também afrontaria as forças armadas, se recusando a lutar na Guerra do Vietnã. A mais completa biografia sobre Malcolm X (Malcolm X – Uma Vida de Reinvenções, de Manning Marable) foi escrita há 13 anos, por um autor que morreu há 12, sobre um personagem assassinado há 57.
O que pouca gente conhece é que, ainda assim, depois de tantos anos, o livro trata de temas atuais e contemporâneos. O maior deles é algo tão presente, a intolerância, que pode se manifestar das mais diversas formas. Um dos melhores exemplos – e que mostra como forças antagônicas, radicais, muitas vezes tendem a se anular – é a descrição do encontro de Malcolm, então líder da Nação do Islã com George Rockwell, fundador do Partido Nazista dos Estados Unidos. O ótimo filme O Chefão do Harlem recupera a cena, ocorrida em 28 de agosto de 1964, durante a grande marcha realizada em Washington e comandada por Martin Luther King. Malcolm e Rockwell representavam os extremos. A conversa entre os dois não deu em nada. Ou melhor, rendeu 20 dólares que Rockwell doou à causa de Malcolm para que os negros americanos criassem um estado independente na África. Os dois seriam assassinados. Malcolm dois anos depois. Rockwell, em 1969, baleado por um ex-seguidor.