Dia desses, uma amiga comentou que ama essa época da primeira chegada do frio, em que baixamos os casacos da parte superior e escondida do armário para começar a usá-los em mais um inverno que começa.
O motivo: ela sempre espera ansiosa para descobrir o que encontrará escondido nos bolsos desses casacos, por meses refugiados no topo do armário. Às vezes anéis, outras algum dinheiro amassado, bilhetes com endereços que ela já nem sabe mais para onde a levaram ou levariam. Será que ela compareceu? Um lar perdido de um brinco que ela nunca mais usou por se desparceirarem
Eu sempre tenho esses achados e perdidos do tempo em um ou outro casaco que desperto da hibernação às avessas, por meses guardados.
Achei interessante esse pequeno prazer de esperar presentes do tempo em bolsos de casacos. Fiquei com vontade de deixar recados para mim de um inverno para o outro. O que eu gostaria de saber ou não esquecer daqui aproximadamente um ano? O que eu diria que ainda não saberia? O que posso antecipar para a Luciane dos próximos invernos, o que não quero perder mais? Pessoas não cabem em bolsos de casacos.
Aliás, o inverno é um tempo de reclusão, guardas fechadas. Casacos são abraços que vestimos, mesmo que sempre deixando a tentação de deixá-los em cima da cama enquanto provamos outras roupas para vestir. Ao voltar pra casa, fica impossível deitar-se com tantas roupas em cima da cama. Então penduramos os casacos no armário, como quem espera que organizar a bagunça das roupas na cama organize a vida inteira.
Funciona um pouco, um tempo breve.
A cama limpa ilude outros desastres e dormimos tranquilos sem derrubar nada no chão ao nos mexermos em noites agitadas de sono intranquilo, enquanto esperamos que pelo menos nesse inverno o frio não nos faça perdermo-nos de nós.
O que hei de esconder de mim até o próximo inverno?
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Foto da Capa: Freepik