Muitas vezes um pai ou uma mãe não reconhecem seus filhos biológicos, os abandonam, doam para terceiros e negam veementemente que o filho ou filha sejam deles. Nesses casos, para se comprovar a filiação consanguínea, ou seja, a filiação natural ou biológica, existe a ação de investigação de paternidade.
O direito de ser reconhecido como filho baseia-se no princípio da dignidade da pessoa humana, que fundamenta a própria Constituição Federal (CF), pois o direito à filiação é um dos direitos da personalidade, é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.
Além disso, a Constituição Federal, no artigo 227, § 6º da Constituição Federal, determina que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Vale dizer, não pode haver distinção entre os filhos.
Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deixa claro que não pode haver discriminação entre os filhos, qualquer que seja a origem da filiação. Assim, os filhos havidos fora do casamento podem ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura, ou qualquer outro documento público.
Por incrível que pareça, até o final da primeira década deste século, muitos pais ou mães se recusavam a realizar o exame de DNA, e assim conseguiam se esquivar do reconhecimento da paternidade ou maternidade, mesmo com a existência das seguintes estipulações nos artigos 231 e 232 do Código Civil de 2002.
“Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.
Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.”
Felizmente, com a Lei nº 12.010, de 2009, que modificou a Lei 8.560, de 29 de dezembro de 1992, que regula a investigação de paternidade, este problema foi contornado, pois ficou claro que na ação de investigação de paternidade (maternidade), todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.
E o melhor de tudo, a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA passou a gerar a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.
Além, mais recentemente, a Lei 14.138, que também modificou a lei de investigação de paternidade, dispõe que se “o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.”. Ou seja, fica quase impossível evitar o merecido reconhecimento da paternidade.
Vale transcrever a seguinte decisão do TJRJ, em que o laudo genético foi baseado no material genético do avô para o reconhecimento da filiação do neto do casal genitor do suposto pai, laudo este que fundamentou a decisão de procedência da investigação de paternidade.
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS DA PERSONALIDADE. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE CÓDIGO GENÉTICO. LAUDO CLÍNICO QUE É PONTUAL EM DEFINIR A PROBABILIDADE DE VÍNCULO GENÉTICO EM PATAMAR SUPERIOR A 99,99% DE SER NETO DO CASAL GENITOR DE SEU SUPOSTO PAI. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DIREITO AO ESTADO DE FILIAÇÃO, CARACTERIZADO COMO PERSONALÍSSIMO, INDISPONÍVEL E IMPRESCRITÍVEL, O QUAL SE INCLUI DENTRE OS DIREITOS DA PERSONALIDADE. O ORDENAMENTO JURÍDICO ASSEGURA A TODA PESSOA OS DIREITOS DA PERSONALIDADE, COMO FORMA DE INSTRUMENTALIZAR A EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROVA PERICIAL CIENTÍFICA ALIADA AS DEMAIS PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS SUFICIENTES EM COMPROVAR A PATERNIDADE. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC. (grifei)
(TJRJ – DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO – Julgamento: 19/04/2013 – QUINTA CAMARA CIVEL – 0036023-93.2007.8.19.0001 – APELACAO)
Muito importante destacar que ações de investigação de paternidade podem ser propostas novamente, quando anterior demanda idêntica, for julgada improcedente por falta de provas, quando a parte interessada não tiver condições econômicas de custear o exame de DNA e o Estado não tiver custeado a produção dessa prova. Veja-se o seguinte julgado do STF a respeito:
“É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável.
[RE 363.889, rel. min. Dias Toffoli, P, j. 2-6-2011, DJE 238 de 16-12-2011.” (grifei)
Veja-se que o direito à filiação, à busca da identidade genética, que decorre do próprio direito da personalidade de um indivíduo, e o respeito ao direito a igualdade entre os filhos, chega a se sobrepor a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade, quando em decorrência de não ter havido o exame de DNA, não tiver sido possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético entre as partes.
Saliente-se também a Súmula 149 do STF, que determina que “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.”
A este passo cumpre informar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2023, firmou entendimento, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, referente, ao “Tema Repetitivo 1.200”, que “O prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da abertura da sucessão, cuja fluência não é impedida, suspensa ou interrompida pelo ajuizamento de ação de reconhecimento de filiação, independentemente do seu trânsito em julgado.”.
Informo que o prazo para ação de petição de herança é de 10 (dez) anos, e começa a correr a partir da abertura da sucessão, ou seja, da data do falecimento daquele que se postula a herança.
Importante, mencionar, ainda, que existe uma “ação de investigação de origem genética”, mas ela se diferencia da “ação de investigação de paternidade”, pois ela busca saber a ascendência biológica, pois conhecer sua herança genética pode ser fundamental para prevenir ou tratar problemas de saúde, e ela a princípio não modificará o vínculo parental.
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Foto da Capa: Agência Brasil
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