Estava a pensar num texto sobre linguagem simples, assunto que tem ocupado muita gente competente. Já existem guias, cursos para ensinar como podemos e devemos nos comunicar de maneira simples. Até o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, anuncia campanha para que seus colegas deixem um pouco de lado o juridiquês e se manifestem mais em português.
Aliás, isso não é novidade… A ministra Carmen Lucia, quando ocupou a presidência do STF, também se preocupou com a linguagem usada no tribunal.
Vários governos estaduais – o Rio Grande do Sul inclusive – disponibilizam manuais para melhorar a comunicação e garantir, assim, mais qualidade no atendimento ao público e na prestação de serviços em geral.
Aí, dei uma olhada nas redes sociais. Busquei páginas de empresas e de recrutadores de mão de obra. E me imaginei na sala do presidente de uma dessas organizações enquanto ele conversava com a secretária. Lá vai o que eu ouviria se realmente estivesse lá.
“Rosalinda, não esqueça de enviar os invites, com pedido de RSVP, para a call que vai dar o start nos novos squads , para assegurar retorno aos nossos stakeholders.
Sim, senhor. Já enviei para todos os players. E aproveito para lembrá-lo da reunião de brainstorming com o board agendada para amanhã às três de tarde.
E segue o diretor: vou aproveitar esse meeting com o board e organizar um road show com todas as nossas BU’s. Se você não sabe, Rosalinda, já que é nova na casa, BU é business unity…
Rosalinda se esforça ao máximo para caprichar na pronúncia e garante que já conhece todas as BU’s da empresa porque tinha participado de uma reunião com a head de RH.
Ah! Rosalinda aproveite e peça para nossa head de RH que venha à minha sala amanhã. Preciso discutir com ela as softskills e os hardskills dos candidatos às vagas abertas no nosso departamento de marketing.
E não esqueça, também, de registrar na minha agenda que antes da reunião com o board, amanhã, eu terei duas conversas one on one: com o diretor de inovação e o de tecnologia. Assunto do invite: budget do ano…”
Neste ponto da conversa, volto ao português. E imagino o tamanho do esforço a ser feito para voltarmos a usar o idioma que nossos descobridores trouxeram para cá e que Olavo Bilac, Rachel de Queiroz, Monteiro Lobato, Lígia Fagundes Telles, Guimarães Rosa, Conceição Evaristo, Jorge Amado, Cora Coralina, Érico Veríssimo e o filho dele Luís Fernando, Graciliano Ramos, Maria Carolina de Jesus trataram com tanta competência e carinho.
Aliás, até o conceito de linguagem simples, chegou aqui com um rótulo estrangeiro: plain language. Então, esses anglicismos – alguns, como accountability, por exemplo, sem uma tradução bem definida – estão cada vez mais presentes no nosso dia a dia.
Ainda bem que os governos, o Congresso Nacional e o Poder Judiciário começam – meio tarde, por suposto – a entender a necessidade de simplificar o jeito de comunicar, o jeito de contar o que cada um está fazendo e como está fazendo.
Em tempos de fechamento de livrarias, de tanta ferramenta tecnológica, dessa quantidade de informação que nos deixa, muitas vezes, sem saber o que é verdade e o que é falso (quase que eu escrevo fake..) os estrangeirismos são mais uma arminha a serviço de quem quer atordoar as pessoas e tirar proveito da desinformação apresentada como comunicação. Está aí a inteligência artificial – capaz de criar música, pintar quadros e inventar histórias – a serviço do bem e do mal. Por isso, como cantou Gal Costa, é preciso estar atento e forte.
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