Estou em férias. Quinze dias em Paris fruindo e vivendo a cidade luz histórica cheia de tensões e integrações multiculturais. A cada Musée que entro percebo que a multiculturalidade está na formação da França assim como no Brasil. Gregos, romanos, parísios, visigodos, árabes, judeus, asiáticos, negros africanos…Lutécia. Uma Paris que se formou sob misturas, migrações, imigrações e colonizações.
No dia a dia o aviso constante para que você se cuide, afinal Paris está cheia de pickpockets, que são batedores de carteiras que agem nos metrôs e nos pontos turísticos. Eles são jovens geralmente abaixo dos 18 anos e fazem parte de uma parcela da juventude francesa periférica composta por imigrantes do norte da África e negros Africanos.
Esta juventude vive nos subúrbios de Paris e traz à tona qual o lugar e espaço que esta população tem na sociedade francesa. Em 29 de junho, eu estava indo para o meu tour pela manhã e vi a parada de ônibus quebrada e pessoas agitadas falando em francês sobre os protestos e a tragédie.
Um amigo imigrante que trabalha no Quartier Latin me mandou um whats pedindo para que não voltasse à noite usando metrô, pois havia acontecido o assassinato de um jovem de 17 anos que se recusou a parar em uma abordagem policial, e foi morto com um tiro à queima roupa no peito por um policial. E que a situação iria ficar tensa, pois os protestos dos jovens de periferia haviam começado na noite anterior com depredação, fogo e destruição de lojas, monumentos e prédios públicos. A juventude periférica francesa explodiu e literalmente colocou fogo em Paris durante 5 noites.
Mbapé escreveu em seu twitter: “Jái mal a ma France…”, a famosa frase de Charles de Gaulle que significa: estou sofrendo pela minha França … O jogador do PSG e ídolo da juventude francesa no futebol classificou como inaceitável a situação de assassinato à queima-roupa pela polícia francesa. Vários rappers, artistas, políticos e intelectuais franceses engrossaram em coro: “Justice a Nahel.” Mas me chamou atenção que o debate não tem o tom do Brasil de caso isolado, e sim de um debate intenso sobre o Estado, o lugar de ocupação dos jovens periféricos, xenofobia e racismo policial.
A mãe de Naehl declarou: “Ele viu um rosto árabe e atirou sem pensar.” Forte. Explosivo. E gravaram e foi simples assim. Abordou, não respondeu, atirou. A ponto de o Presidente Emanoel Macron declarar: “Não existe pena de morte na França. Não deveria ser assim.”
O que está no centro do debate é o controle policial, a ação policial violenta e a abordagem a todos os imigrantes generalizando uma ação racista étnica e endereçada à periferia. Os protestos dos jovens são de contrarreação violenta. E, mesmo assim, a cidade luz não para. Houve passeata com mais de 6.200 pessoas no quartier de Nanterre, bairro onde o jovem vivia. E a situação está mobilizando debates intensos entre a esquerda e direita francesa chegando a ONU.
Segundo declaração de uma doutora em sociologia de Sourbonne, o Estado Francês possui uma situação delicada a resolver, que é a integração da população imigrante de forma positiva na sociedade francesa, e não com a exclusão periférica, em contraponto aos arrondiesements de luxo e turísticos. O mais interessante é que no centro do debate estão as questões de direitos humanos e sociais, como acesso à escola, política de assistência social, moradia e trabalho.
São esperadas mais manifestações no dia 14 de julho, data histórica da revolução francesa. Afinal, os jovens gritam nos protestos: “Estamos no país da liberdade, igualdade e fraternidade. Ou não?”
A geração Z francesa periférica transformou Nahel em seu símbolo, e está nas ruas não apenas por justiça, mas por um futuro menos violento, cheio de abordagens policiais e com novas perspectivas.
Como brasileira pensei: “A geração Z francesa segue na linha das gerações ancestrais em busca de novas revoluções.” A história é uma história como dizia Balzac. Ou seria um karma coletivo?
E também pensei: seria bonito ver algo assim por justiça por Miguel, por Beto e por todos que nos últimos anos foram exterminadas no Brasil. Forte. Muito forte. Sigo em férias. Com este bônus de imersão em vivência de ação política na França. Era pra ser férias e ganhei uma pós-graduação em sociologia. Paris é sem igual.
Foto da Capa: Agência Brasil/Lusa