O tempo passa devagar por aqui. O sol forte, o mar azul e a brisa morna dão o compasso das horas. Faz hoje uma semana que cheguei e parece que estou fora de casa há mais de um mês. Nestes sete dias de viagem, vivo constantemente em um turbilhão de emoções, passando do “estou amando” ao “quero ir embora agora”, várias vezes ao dia.
Uma das primeiras coisas que vem em mente quando se fala dessa ilha no Caribe é a natureza exuberante e infinitos tons de azul. Jamaica quer dizer “terra de bosques e água”. Totalmente verdadeira essa ideia, mas há muito mais entre o verde e o azul abundantes.
Já sabíamos que viajar sozinhas, duas mulheres, pela Jamaica não seria tão fácil. E realmente não é. Com todo o espírito aventureiro que temos, com a experiência de já ter viajado para vários países do mundo com culturas bastante distintas, com a consciência de aceitar e respeitar diferenças, nada disso nos faz sentir totalmente à vontade por aqui.
Logo no primeiro dia em Negril tivemos uma experiência ruim e vimos que é prática comum pelas ruas. Um homem dentro de um mini mercado se aproximou muito mais do que devia, começou a falar coisas incompreensíveis em Patuá, um tipo de dialeto jamaicano, e “tcham”, mão boba. Saímos imediatamente e quem viu, fez que não viu. Ao voltar para a pousada comentamos com a proprietária que calmamente nos disse: “Eles fazem isso porque acham vocês bonitas, se não, não fariam nada”. Esta mulher, nascida e criada na Jamaica, mas que vive há muitos anos no Canadá, vê isso de forma natural e diz que faz parte da cultura do país. Sei bem que não é exatamente assim, que esse comportamento está restrito à determinados grupos, pois em tantos outros locais tivemos o respeito que se espera. Contudo, não saber com quem vamos cruzar ao longo do dia, e ver que há uma normalização deste tipo de atitude nos dá uma sensação de insegurança.
Ruim também foi sermos abordadas no meio da estrada no sábado à tarde por policiais que, com um radar móvel na mãos, nos disseram que estávamos acima da velocidade permitida na via que era de 50km. Fizeram perguntas descontextualizadas, pediram carta de condução e documentação do aluguel do carro e nos imputaram uma multa de 100 dólares, caso contrário reteriam os documentos e teríamos que discutir o assunto em tribunal. Pedi o ticket da multa para pagar onde quer que fosse o local oficial para fazê-lo, mas ele disse que o pagamento deveria ser feito no momento. Claramente sabíamos o que estava acontecendo, mas fazer o que nesta situação? Demos 40 dólares, que era o que tínhamos à mão, com o policial olhando pela janela a carteira, e conseguimos seguir. Agora já sabemos que isso também é prática comum por aqui. Estamos rodando a ilha em carro e me assusta pensar que a qualquer momento podemos passar por isso de novo.
Na carteira levamos dinheiro “por categoria”: para as gorjetas, para a comida, para os passeios e para as eventuais contravenções. Parte em dólares americanos, parte em dólares jamaicanos, que aliás são completamente dispensáveis, já que todos os valores estão atrelados à moeda americana e é sempre a opção preferencial em qualquer transação.
Sem nenhuma intenção de iniciar uma discussão anti-imperialista, mas o fato é que nota-se claramente a pressão cultural e econômica norte americana onde quer que se vá, apesar da colonização ter sido ora espanhola e ora inglesa.
Outro ponto a destacar é que a Jamaica é um destino caríssimo! Os valores estão semelhantes, ou até mais caros em alguns momentos, do que países como Áustria, que visitei recentemente. E o nível de serviços não é condizente com o valor cobrado. Para se ter uma ideia, qualquer refeição básica, sentada em mesas improvisadas, com pratos e talheres descartáveis não sai por menos de 28 dólares por pessoa, isso só com o prato principal e água. Em um restaurante com mais estrutura esse valor ascende facilmente aos 50 dólares por pessoa sem bebidas.
Fora estas situações não tão boas, tem sido interessante e enriquecedora essa viagem. Procuro sempre entender os costumes locais passando várias horas conversando com diferentes pessoas em todos os lugares que visitamos. Tenho anotado no meu caderninho para no final tirar minhas próprias conclusões. Porém, uma coisa é certa: não a acredite em tudo o que vê nos perfis de viagens, como disse no princípio, há muito mais do que o verde e o azul, e há coisas ninguém quer falar porque não dá engajamento.
Você sabia que em vários lugares as praias são privadas? Isso mesmo, particulares que compram terrenos à beira, ou grupos hoteleiros que constroem mega resorts levam o pedaço da praia de bônus. Em algumas o acesso é completamente restrito, em outras poucas é preciso pagar para entrar. Às 17h soa o primeiro apito, que significa que é hora de arrumar a trouxinha e partir. Em Montego Bay, por exemplo, só há uma praia aberta para a população. Coisa difícil de compreender.
Temos ainda uma semana da nossa “road trip” e prometo ser mais gentil com as palavras no próximo texto. Apesar dos pesares estou em um lugar que sonhava visitar há muito tempo e que vou preferir guardar comigo as boas experiências e memórias de lugares místicos embalados pelo reggae de artistas que cantam a história do país.
Afinal, essa é uma viagem real, longe do glamour dos iates que despejam milhares de turistas ao dia, da bolha dos hotéis de luxo e da realidade construída pelos influencers das redes sociais.
Até a próxima semana!
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Foto da Capa: Acervo da autora