Emoções à flor da pele e um total distanciamento dos temas da atualidade do resto do mundo. Durante duas semanas, todos os meus sentidos foram estimulados por uma jornada repleta de descobertas, que me proporcionaram lições sobre cultura, comunidade, natureza, estilo de vida e diversidade. Impossível caber em um único texto tudo o que vivenciei, mas seguindo a lógica dos sentidos preparei um tópico de cada um deles: comer, ouvir, ver, cheirar e tocar.
Não sou nenhuma Julia Roberts, mas também aprecio as emoções e o aprendizado que uma viagem pode proporcionar.
Fruta Pão / Para comer
Apesar desta fruta estar presente em outros países, inclusive no Brasil, foi a primeira vez que tive a oportunidade de experimentar a “bread fruit”, ou fruta pão, que foi introduzida na Jamaica para combater à escassez de comida na ilha e fornecer aos escravos, vindos da África para trabalharem nas plantações de açúcar, uma fonte extra de energia.
Originária das ilhas do Pacífico, a fruta é altamente nutritiva e quando cozida fica muito parecida com pão.
Em 1793, um capitão chamado William Bligh foi encarregado pelo governo britânico de transportar mudas de “bread fruit” das ilhas do Pacífico para as Índias Ocidentais, incluindo a Jamaica. Isso acabou se tornando um evento histórico e marcou o início do cultivo na ilha caribenha.
A fruta hoje serve de acompanhamento para vários pratos típicos e é bastante saborosa.
Lenda Urbanas / Para ouvir
Perto de Montego Bay fica um dos mais famosos palácios da Jamaica. Foi construído em 1770 e era a Casa Grande de uma antiga plantação de cana-de-açúcar chamada “Rose Hall Plantation”. O edifício é impressionante e a propriedade grandiosa. A história do palácio, que hoje virou atração turística, está ligada à Annie Palmer, conhecida como a Bruxa Branca. Annie foi uma das proprietárias do local e acabou se tornando a personagem principal de uma lenda que é contada de gerações a gerações.
A mulher teria se casado diversas vezes e todos os seu maridos morreram, ou foram mortos por Annie. Dizem ainda que foram enterrados próximos uns aos outros dentro da propriedade. Rumores populares dão conta também de que ela teve vários amantes escravos e quando se cansava deles, mandava matá-los.
Por precaução, quando morreu, Annie Palmer deveria ter tido seu túmulo selado com um ritual vodu para manter o espírito aprisionado para sempre. No entanto, esse ritual nunca foi concluído e assim o fantasma de Annie Palmer ficou livre para vaguear livremente por Rose Hall. As pessoas afirmam que ela é vista tanto na casa, quanto cavalgando nos enormes jardins.
Ver não vi, mas falei com uma senhora que se recusou até pronunciar o nome da mulher.
Annie Palmer ficou tão famosa que o cantor e compositor Johnny Cash escreveu para ela uma balada country. Magia negra, chicote, assassinato e “mãos de ferro” são palavras associadas à ela.
Cores / Para ver
As cores estão por todas as partes. Roupas, artesanato e muros das casas. Combinadas ou separadas são uma expressão marcante e alegram o cenário das cidades e vilas em combinações que remetem às cores da bandeira, com o verde que representa esperança e a riqueza da flora, o amarelo que simboliza a luz do sol e as riquezas naturais, e o preto, que representa a força e a criatividade do povo.
Mas a bandeira jamaicana não tem a cor vermelha? Não, a bandeira que carrega também o vermelho é a bandeira do rasta reggae e é inspirada nas cores da bandeira nacional da Etiópia, representando a lealdade que o rastafari tem em relação ao estado da Etiópia, quando do reinado do imperador Haile Selaisse (1930/1974). Neste caso, as cores carregam valores tanto materiais quanto espirituais, sendo o vermelho poder e fé.
Maconha / Para cheirar (?)
Conhecida no país como ganja, ou simplesmente erva para os seguidores do Rastafarianismo, a maconha pode parecer tão jamaicana quanto Bob Marley. Enquanto caminhamos pelas ruas ou descansamos na areia da praia somos constantemente abordados por vendedores oferecendo abertamente cigarros pré-enrolados, assim na luz do dia.
De alguns anos para cá houve uma revisão completa das leis de drogas no país e a ganja passou a ser vista como uma parte positiva da marca do país. Claro que há um interesse nisso. De olho nas receitas fiscais da indústria legalizada, em 2015 o governo da Jamaica aprovou uma série de importantes emendas à Lei de Drogas Perigosas, descriminalizando a maconha e introduzindo licenças para seu cultivo e venda. Isso não quer dizer legalização total, mas o fato é que o consumo é aberto.
Para quem gosta, pode ser o paraíso, para quem não aprecia, como no meu caso, a ganja vira uma experiência olfativa.
O cheirinho está no ar, em qualquer hora do dia e em qualquer lugar. Yeh man!
Natureza / Para tocar
Finalmente o tato, esse sentido que é estimulado em todos os momentos. Mergulhar o corpo inteiro nos rios e nas águas turquesa do mar. Fazer trilhas em meio ao verde exuberante e tocar árvores e folhas de diferentes tamanhos e texturas. Caminhar sobre as pedras e também na areia muito fina. Sentir os peixinhos passando entre as pernas e o corpo quase “derretendo” como uma pastilha efervescente na lagoa luminosa, cuja água se torna fluorescente ao nos movimentarmos.
Tocar um crocodilo no Rio Negro e ver que tem a pele macia. Usar as mãos para comer. Experimentar o calor úmido que envolve o corpo todo e coçar as pernas por causa das picadas dos mosquitos.
Tomar um banho gelado e começar a suar em seguida. A pele do corpo inteiro alegre e alerta, sentindo o tempo todo.
Fim.
Adeus, Jamaica.
One love!
<< Gostou do texto? Avalie e comente aqui embaixo >>
Foto da Capa: Ilustração gerada por IA