A “internet”, assim como o “mercado” com sua mão invisível, mas que sabemos que é a mão de uma minoria elitizada que comanda a riqueza, o acesso e entra na mente das massas, maioria, em um mecanismo de perpetuação de ideias, atitudes, lugares sociais buscando evitar a faísca que coloque o sistema em risco.
A “internet” é um sistema social onde se disputam e constroem narrativas que legitimam e reforçam comportamentos, crenças, mesmo você achando que pensa pela sua cabeça. E ainda incentiva um processo de exposição de ideias, ou melhor, o despejo de preconceitos diante da vida alheia.
Observo Jojo Todynho há muito tempo. Em 2017, quando aquela menina negra surgiu no cenário midiático trazendo um funk hit “Que tiro foi esse”, performando com seu corpo gordo negro sem se esconder. Fazendo emergir a realidade da periferia carioca que invade as praias da Zona Sul com seus biquinis de fita isolante. Jojo foi o próprio tiro, mesmo na cena do Funk chocou e explodiu. Imagina no resto do Brasil. Lembro bem que usando um biquini na época, mesmo com seios menores que os delas, mas grandes, ouvi: olha a Jojo Todynho.
Jojo fez uma 1ª revolução rompendo a estética do corpo da mulher negra gourmetizado da “mulata “objeto de desejo branco, onde as formas exuberantes da nossa genética viraram fetiche. Jojo trouxe à cena um corpo gordo, resultado da relação histórica do povo negro com a comida, a escassez, o excesso e uma relação histórica difícil de descrever aqui entre saúde, autocuidado e decisão consciente.
Não podemos falar do mesmo ponto da ideia de corpo livre quando temos um corpo que não foi livre, que foi massacrado, seja por falta de comida ou de condições para uma saúde que nos permita decidir a estética.
Mas isto não impede que a gordofobia se alie ao racismo no caso de corpos como de Jojo. Em toda sua vida pública Jojo é massacrada por comentários, por haters, por pessoas que vão até seu perfil comentar seu corpo.
E, mesmo assim, Jojo se expõe, bate no peito, conversa com o público e com sua personalidade se tornou ícone criando identificação e fãs. Virando um ícone com seus áudios mandando a real, desconstruindo preconceitos e indo além… Jojo se tornou uma grande comunicadora, modelo de Jean Paul Gaultier, atriz, influenciadora, garota propaganda… um fenômeno.
No início do ano, Jojo anunciou sua relação amorosa com seu ex-marido, um militar jovem, branco, padrão. E a chuva de comentários e haters foi ainda maior: iludida, vai ser usada, para casar com a Jojo só por interesse (negra e gorda), ou seja, Jojo viveu um inferno mesmo batendo no peito, zoando com os comentários…, mas impossível esta exposição não ter efeitos… Jojo é humana. E o casamento foi desfeito pela internet, com declarações, episódio de volta e alegação de tortura… afinal Jojo é uma mulher negra que se posiciona… aí se adiciona a visão racista da mulher negra raivosa.
Quando vi, tudo isto me fez refletir mais uma vez: quem se preocupa que Jojo é apenas uma jovem de 24 anos em 2022? Quem olha para as fotos do seu início de carreira e percebe que ela ano a ano está mais magra? Que Jojo sofre um escrutínio do seu corpo e da sua negritude? Que Jojo ao fazer sua festa de separação anuncia que vai voltar a estudar e se formar doutora, advogada? Que Jojo agora quer fazer uma bariátrica?
Eu me arriscaria a dizer que a “internet” está conseguindo tudo que quer com Jojo. Domesticando seu corpo e ensinando o que sofre quem se rebela. E aqui me vem a lembrança da obra de Michel Foucault: “O corpo torna-se alvo do poder, descobriu-se que ele podia ser moldado, rearranjado, treinado e submetido para se tornar, ao mesmo tempo, tão útil quanto dócil. Pouco a pouco foi dobrado pelo poder, de maneira sutil, através de várias técnicas de dominação: no espaço, no tempo, nas gêneses, nas composições.”
Mergulhando na obra de Michel Foucault se descobre que o prêmio desta dominação é a inclusão na economia do amor e a paz da padronização.