Entre os desafios das lideranças apontados pela pesquisa da Amana-Key, que comentei nas últimas semanas, quero propor mais uma reflexão comum a todas as organizações: incorporar colaboradores idosos nas equipes. A tendência de transformação do mundo corporativo é fato e aponta para um modelo de equipes multigeracionais mais intenso. Os jovens sempre chegaram ao ambiente de trabalho enquanto os mais velhos ainda estavam em vias de se aposentar. Na natureza também é assim, em um mesmo galho, folhas novas e velhas coexistem. Agora, com a expectativa de vida das populações humanas aumentada e um contingente cada vez maior de idosos com capacidade ativa, a tendência é de equipes mistas.
Muitas coisas estão sendo discutidas neste momento, mas predomina um foco no perfil dos colaboradores, uma avaliação de que os jovens são mais desapegados ao trabalho e os idosos mais engajados. Acho que é uma generalização ociosa, uma leitura dogmática, enraizada em percepções que já não fazem sentido. Mudou todo o conceito do mundo do trabalho, com a desvalorização do emprego formal de carteira assinada e planos de carreira e as demandas dos novos tempos digitais. O mundo corporativo hoje é mais fluido, isso não deverá se reverter. O foco principal, portanto, deveria ser na interação entre os jovens e idosos nas equipes.
A expectativa de vida não só aumentou como vai aumentar ainda mais, sendo fundamental repensar a vida “útil” das pessoas, que já hoje seguem ativas até os 70, 80, 90 anos, em todas as camadas sociais. É uma força de trabalho disponível e carente de participação na sociedade, que ainda não reconhece verdadeiramente a terceira idade como potencial de trabalho. Isso leva os mais antigos a se isolarem e se resignarem com uma vida de aposentados. Justo no momento em que poderiam dar uma ótima contribuição – em alguns casos até mesmo a sua melhor contribuição – pois dispõem de tempo e muitas vezes até de uma estabilidade financeira que lhes permite se dedicar aos seus projetos pessoais. No entanto, a vantagem de poder se dedicar a projetos pessoais esbarra nessa falta de conexão com o mundo, com a troca. Mantendo-se conectado ao mundo de forma mais significativa, o idoso tem vários ganhos, inclusive ao nível de saúde, o que afetará positivamente todo o seu entorno de convivência, a família e mesmo a sociedade. Um dos exemplos mais evidentes é o de que um idoso isolado e desmotivado já está provavelmente doente por consequência, com perdas cognitivas e exigindo cuidados por parte dos mais jovens, assim como investimentos vultosos para a manutenção da sua qualidade de vida. Já um idoso realizado, participante e feliz, tem muito mais chances de preservar sua mente saudável e liberta os mais jovens de se preocuparem e os cuidarem, assim como lhes proporciona um convívio agradável e estimulante. Todos ganham.
Os mais jovens perceberam que o emprego não oferecia mais as garantias que seus pais e avós tinham, também as modalidades de trabalho estão se alterando com muito mais velocidade por conta da escalada da inteligência artificial, assim como o meio digital inaugurou a era da Gig Economy e suas formas alternativas de trabalho, como prestação de serviços, projetos pontuais, freelancer e trabalhos mediados por plataformas. Nunca foi tão fácil criar um site e iniciar um negócio paralelo – são inúmeros os exemplos bem-sucedidos. Assim, os jovens hoje migram mais de emprego do que seus antecedentes o faziam. É a realidade, e as empresas vivem o desafio de fidelizar os jovens talentos.
Acho que uma interação bem estimulada entre idosos e jovens pode, inclusive, colaborar para fidelizar jovens, além de inúmeros outros benefícios. Os idosos não precisam ser incorporados às empresas como trabalhadores fixos. Podem ser colaboradores, especialmente dedicados a interagir com os mais jovens. Há várias formas de participação, com dias e horários flexíveis e remuneração proporcional, sem vínculo empregatício formal (afinal, muitos já são aposentados), ou por jobs pontuais ou ainda uma demanda de temporada. A participação pode ser também em iniciativas pro bono da empresa, sempre interagindo com os mais jovens, atuando juntos. Os mais antigos acumularam experiência e os mais jovens estão experimentando, a troca enriquece a cultura da empresa. Os jovens podem perceber que aqueles idosos já tiveram seu tempo formal de trabalho e agora têm a benesse de mais flexibilidade nas empresas – tudo tem o seu tempo.
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Foto da Capa: Pixabay