A expressão “juízo de conveniência” tem uso bastante comum para expressar julgamentos que têm por princípio atender aos interesses de quem julga. No mundo jurídico, costuma-se atribuir tal epíteto, no sentido pejorativo, aos advogados. Em defesa deles, deve ser dito que o único ou o maior compromisso que eles têm é com seus clientes. Não direcionam suas teses à opinião pública e sim aos órgãos julgadores, objetivando provar que seus clientes “estão do lado certo da lei” para absolvê-los ou minorar ao máximo as consequências da sanção se condenados.
Costumo dizer aos estudantes que conheço que um curso é uma lente, em outros tempos os professores eram denominados de “lentes”, são óculos que nos ensinam a perceber uma mesma realidade de formas diferentes. Com o curso de Direito não é diferente. A partir das leis, jurisprudência, princípios e teorias, nós, profissionais ou estudantes das letras jurídicas, apreendemos as coisas da vida de uma maneira singular. Nossos óculos tornam preto e branco aquilo que para os outros é multicor. Outra coisa que gosto de lembrar é que devemos ter certo apego aos fatos e é do encontro entre esses e nosso conhecimento que surge a aplicação do direito. É claro que é muito complicado debater o que é um fato e mais ainda se podemos conhecê-lo, mas façamos aquela redução psicanalítica de que “às vezes um charuto é apenas um charuto”, ou seja, sobre uma determinada coisa é possível algum consenso da sua existência, embora possamos discordar do que levou à sua existência ou as consequências deste existir.
Um assunto que mobiliza o mundo jurídico e que tem fortes consequências na atividade econômica é saber se o lar do trabalhador é um local de trabalho para o fim de responsabilização do empregador pelas suas despesas ou eventos infelizes ocorridos nele. Noticiam os diários que “Trabalhador deverá receber indenização após queda em home office” (TRT-13) e “TRT mantém demissão por justa causa de funcionária que postou foto com bebida alcoólica durante home office” (TRT-15). Expostos a tais notícias, muitos irão dizer que o “empregado não pode beber no local de trabalho e que o empregador não tem como verificar as condições de uso de um mobiliário da casa do trabalhador” e outros, com igual tranquilidade ou conveniência, dirão “é a casa do trabalhador e ele pode beber e que o empregador tem que pagar pela cadeira e fiscalizar seu uso”. Formulações juridicamente antiéticas, posto que ou a casa no teletrabalho é extensão do local de trabalho por equiparação ou não é. Se para tal fato a resposta é “sim”, o é para todos os sentidos e não apenas para os que escolhemos.
O que ninguém pode negar é que, “dando uma no cravo e outra na ferradura”, os dois tribunais do trabalho decidiram num único sentido e deram uma resposta positiva à pergunta realizada. Nos ajuda a pensar que a Lei 13.467/2017, denominada de Reforma Trabalhista e gestada sob os auspícios do empresariado brasileiro, diz que “Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo” (art. 75-B). Também afirmou a Lei 8.213, que tem 35 anos, que se equiparam ao acidente de trabalho aquele evento incapacitante sofrido pelo segurado/empregado ainda que fora do local e horário de trabalho na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa (art. 21, IV, a). Por fim, a Portaria SE/MTE nº 3.912, de 28 de dezembro de 2023, que estabelece os procedimentos gerais para instituição do Programa de Gestão e Desempenho – PGD, obrigando-o, inclusive, para os empregadores que exigem o teletrabalho. Ou seja, aceitem ou não nossos diletos empregadores, o juízo jurídico não se adequa às conveniências econômicas de cada um.
Fábio André de Farias é desembargador corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região (PE).
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Foto da Capa: Marcelo Camargo / Agência Brasil