Em agosto de 2023, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, por maioria, “que não fere a liberdade de imprensa a responsabilização do veículo de comunicação por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, ainda que não se trate de opinião da direção do veículo de imprensa, mas de um convidado, seu entrevistado”, conforme publicado no Boletim de Agosto do STF em Foco.
Este julgamento ocorreu porque havia muitas e longas discussões, e pontos de vistas divergentes, sobre a obrigação de um veículo da imprensa “responder civilmente”, leia-se, indenizar um terceiro, por ter divulgado fatos criminosamente falsos alegados por um entrevistado, que ofenderam a sua honra. A questão que gerou o julgamento não versava sobre a responsabilidade da empresa jornalística ter publicado ela diretamente uma opinião sobre alguém, mas sim sobre ela publicar uma declaração do entrevistado sobre esse terceiro. Desse modo, discutia-se assim o direito à honra do ofendido versus a liberdade de imprensa, e o direito à informação e a liberdade de expressão.
O entendimento do Plenário do STF foi de que a responsabilização do veículo de comunicação por danos materiais e morais, em razão da divulgação de informações “comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas”, não fere a liberdade de imprensa, mesmo que seja opinião de um entrevistado.
O voto prevalente foi do Ministro Alexandre de Moraes, que entende que a liberdade de expressão, manifestação e de imprensa, são limitadas constitucionalmente, pela inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Segundo o Ministro estariam protegidas constitucionalmente as informações verdadeiras, e aquelas “errôneas ou não comprovadas em juízo” se não tiver ocorrido comprovada negligência ou má-fé por parte do veículo de informação. Segundo ele, “encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), com o direito à honra, à intimidade e à vida privada (CF, art. 5º, X) converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraças alheias, que não demonstrem nenhuma finalidade pública e caráter jornalístico em sua divulgação. Assim, não existe qualquer dúvida de que a divulgação de fotos, imagens ou notícias apelativas, injuriosas, desnecessárias para a informação objetiva e de interesse público (CF, art. 5º, XIV), que acarretem injustificado dano à dignidade humana autoriza a responsabilização do causador do dano”. Os ministros Dias Toffolli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux, seguiram o mesmo entendimento.
O Ministro Luís Roberto Barroso, seguido pelo Ministro Nunes Marques, foi mais além, entendeu que “mesmo em relação às redes sociais, que têm menores condições de exercer um controle forte sobre os conteúdos gerados por seus usuários, não há dúvida de que deve haver, sob determinadas condições, possibilidade de responsabilização”. O Ministros Edson Fachin e a Ministra Cármen Lúcia, entenderam haver a responsabilização do veículo quando existirem circunstâncias fáticas que demonstrem uma incomum necessidade de proteção dos direitos da personalidade.
O referido julgamento foi suspenso, e reiniciado no dia 29 de novembro recente, quando foi definida a seguinte tese de julgamento, com repercussão geral, o que significa que essa tese será vinculante, deverá ser seguida por todos os tribunais de justiça em processos semelhantes:
“A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (1) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (2) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.”
Obviamente que a imprensa e as redes sociais não podem continuar sendo um meio de propagação de fake news, calúnias, injúrias e difamações, mas esse entendimento da obrigação jurídica de verificar previamente a veracidade dos fatos, pode restringir muito o trabalho da imprensa, que sob o medo de severas indenizações poderá em muitos casos silenciar sobre a verdade, deixar de publicar muitas matérias. Note que muitos escândalos envolvendo poderosos foram revelados pela imprensa. Lembre-se, por exemplo, a entrevista conferida à Veja pelo Sr. Pedro Collor, que acabou desencadeando o impeachment do então presidente, Fernando Collor de Mello.
Até mesmo as entrevistas ao vivo poderão se tornar um problema para a imprensa, que não terá como “censurar” previamente o que pode ser dito, e então poderá ter de indenizar o terceiro mencionado na entrevista que, por exemplo, muitas vezes pode ser um tremendo criminoso que teve a sorte de ter seu processo criminal prescrito até mesmo enquanto aguarda julgamento pelo STF, e portanto sem decisão de mérito a respeito, circunstância que impedirá a sociedade saber se ele era ou não realmente o criminoso relatado nos processos, o que poderá gerar a responsabilização da imprensa por notícias que eram verdadeiras.
O dever de verificar a veracidade de algum fato narrado, exigido pelo STF, é algo super subjetivo, relativo e difícil, até mesmo para os mais experientes julgadores, veja-se que com frequência até mesmo os Ministros integrantes do STF têm percepções diferentes sobre a veracidade dos fatos, culpabilidade dos réus, etc., e as decisões não são unânimes.
Ademais, uma imprensa livre é uma das condicionantes para a própria democracia, que não existe sem um judiciário livre e imparcial e sem uma imprensa livre. Ela é conhecida internacionalmente como o quarto poder, justamente por trazer a tona verdades que dificilmente chegariam ao conhecimento público e aos tribunais sem a imprensa desempenhar o papel de informar a todos o que acontece. Assim como o STF é o guardião da Constituição Federal, a imprensa é uma guardiã dos cidadãos contra os abusos de poder.
Uma lástima que uma obrigação tão difícil e complicada pela imprensa, que pode gerar um enfraquecimento da democracia, não tenha sido objeto de discussão pelo Congresso Nacional, que poderia legislar a respeito, respeitando a vontade dos povo, seus eleitores. Todavia, o entendimento a ser seguido é o determinado pelo STF, e anseio que a imprensa não se cale apesar dos riscos e problemas que poderá vir a ter, se relatar algo informado por terceiro e não puder provar depois. Lamento muito pelos jornalistas, que ficarão cheios de processos judiciais, movidos, em alguns casos, espero que sejam poucos, por grandes e poderosos crápulas. E você, o que acha sobre esse julgamento?