“Você conhece aquela do Juquinha!”
Suspeito que vocês já sabem de quem estou falando. Exatamente: daquela personagem tão presente – desde tempos imemoriais – em piadas que falam da vida escolar. Pornofônico, irreverente, esperto, desafiador, provocador, colocando todos em situação delicada, Juquinha não tem idade (embora já conheça todo tipo de safadeza!), não se sabe se estuda em escola pública ou privada, não se sabe que série ou classe ele frequenta, se passa ou não de ano, se seus pais são chamados à escola por causa de seu comportamento. E é com estas características (ou melhor, com estas imprecisões) que ele paira, como um ente transcendendo no tempo, sobre o conjunto de nossa imaginação contestatária. Juquinha é isto: nosso ódio contido pela instituição “escola”, pela sua hierarquia, suas regras, sua repressão; ódio, em suma, por aquilo que chamamos tecnicamente de “cultura escolar”: um conjunto de regras, atitudes e expectativas geradas por uma instituição específica que reúne duas gerações diferentes, em que uma vai introduzir a outra no mundo e espera que a mais recente se torne rapidamente responsável por este mesmo mundo.
Juquinha – que não é propriamente um “mau aluno”, já que nada sabemos de suas notas – introduz neste ambiente solene, altamente ritualizado, cerimonioso, com seus espaços e tempos específicos, ambiente que define se somos ou não aptos a lidar com a cultura herdada, muitas vezes sem nenhuma relação com nossa vida vivida. Juquinha – repito – está mais próximo do bad boy do que do mau aluno. E, no entanto, todos nós rimos e simpatizamos com ele, exatamente porque ele representa a coragem que nunca tivemos de desafiar a escola (e sua cultura), trazendo para dentro dela a cultura da rua, com seus palavrões, seus gestos obscenos, sua irreverência arlequinesca, suas tiradas imorais, tudo aquilo que nossos pais e professores não querem que aprendamos (a família e a escola são supostamente geridas por uma moral “edificante”): uma ética sexual depravada e “popular” (sem rodeios, sem teorizações, crua). Juquinha introduz este tema que a escola só deseja tratar sob a forma de um “conteúdo de aprendizagem”, como “prevenção”, como “reprodução biológica”: o sexo real, vivido e falado!
Acho curioso que se tenha escrito tanto sobre uma escola ligada à vida, de aprendizagens significativas, sobre o fim da escola, sobre sociedades desescolarizadas, e Juquinha, como uma personagem que habita nossa imaginação anarquista, não tenha nunca sido objeto de um estudo de antropologia educacional mais vertical. Rubem Alves, num interessante livro sobre os maus alunos, demonstra um grande interesse pedagógico e humano por estas figuras que desafiam a cultura escolar, mostrando que raramente se transformam em marginais ou sujeitos perigosos: ao contrário, este espírito de contestação difusa se alonga, muitas vezes, em capacidade crítica e sensibilidade para perceber o poder das instituições de moldar as almas, iniciando pela escola.
Juquinha, que provavelmente continuará povoando nossa imaginação libertário-escolar, bem que poderia ser eleito o Antipatrono da Educação Nacional!
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Foto da Capa: Gerada por IA