Nessa semana li a notícia de que a Globo estaria finalmente valorizando os talentos das suas apresentadoras seniores, abrindo espaço na sua programação para a Xuxa e a Fátima Bernardes, ambas com 61 anos, assim como fez com a Eliana, 51 anos, no canal fechado GNT. Aplaudo!!
O Clube do Bolinha deixou as Luluzinhas entrarem
As frestas estão se abrindo em portas, rachaduras estão furando paredes e muros. Onde até a pouco tempo havia espaço principalmente para homens, finalmente estão deixando as mulheres entrarem, pelo menos na Rede Globo. Basta lembrar que Cid Moreira se aposentou do Jornal Nacional trabalhando aos 69 anos, em 1996, Sergio Chapelin se aposentou aos 78 anos, trabalhando na mesma Rede até 2019, e Léo Batista é considerado o jornalista mais antigo em atividade da Rede Globo aos 92 anos. Enquanto isso, na mesma emissora, Fátima Bernardes, em 2011, e Sandra Annenberg, em 2019, mesmo possuindo grande carisma e audiência, tiveram que sair da bancada dos jornais que apresentavam por causa do quê? A idade. E olha que na época elas tinham 50 e 51 anos, respectivamente.
Por isso, a existência de mulheres mais velhas em posições públicas de protagonismo e destaque na cena cultural e do entretenimento brasileiro, em especial na mídia, é de particular importância e deve ser celebrada e comemorada. Saber que elas estarão aparecendo para milhares de pessoas e normalizando que mulheres idosas (re)existam como seres ativos, capazes, influentes e quebrando paradigmas que, até ontem, éramos incapazes de imaginar
Mudar pra não mudar??
Mas será que mudamos tanto mesmo? Meus modelos de beleza quando mais jovem foram mulheres como Bruna Lombardi, Claudia Raia, Xuxa, Cindy Crawford, Claudia Schiffer… já deu pra localizar, né? O tempo foi passando, e fui envelhecendo com elas também.
No caso da mulher, além de todo o prejuízo que ao longo da vida ela conviveu por causa do gênero, quando ela envelhece se sobrepõe uma segunda camada de preconceito, a do idadismo.
A juventude como meta
Atualmente, na mídia em especial (tanto analisando o conteúdo editorial quanto o publicitário), constata-se que a juventude é apresentada como um valor moral e produto, e não como uma etapa do curso de vida: “Seja jovem o maior tempo que for possível”, “Seja jovem de espírito”, “Rejuvenesça, você parece um velho”, “Forever Young”, produtos “Anti-idade”, “rejuvenescedores”, “anti rugas”, “anti aging”, comentários como “Puxa, você não parece a idade que tem”, “Como você está jovem”, “Como você envelheceu, não te reconheci”… são exemplos do quanto ser jovem se tornou um ativo para qualquer idade e que permeia as relações na nossa cultura.
Nesse sentido, a mulher em especial é o alvo e também agente desta pressão social por uma aparência jovial, buscando diferentes fórmulas de consumo, seja através de alimentos, roupas, medicamentos, tratamentos e produtos estéticos. Todos com a promessa de proporcionar confiança, felicidade, oportunidades, reconhecimento, melhores relações e, claro, menos críticas, vergonha e remorso pelo alcance da juventude eterna.
Juventude = Beleza + Consumo
Nesse contexto é importante mencionar a função que as mídias realizam na “pedagogia da beleza”, que reproduz e valida a construção social dos papeis masculino e feminino, nos ensinando que a beleza está em quem é jovem, tem pele e olhos claros e é magra.
Dessa forma, é entendido que a juventude é um valor, que deve ser conquistado e mantido através de formas de consumo e em qualquer idade, principalmente pelas mulheres. Nesse contexto, a velhice passa a ser também um valor, este negativo, expressando doença, negligência com o corpo e falta de motivação para a vida.
Os dados comprovam nossos medos e vergonhas
Num estudo feito em 2015 na Austrália, avaliando anúncios publicados no período de 50 anos, verificou-se que a publicidade aliou sempre a mensagem de que a velhice é um problema. Uma pesquisa conduzida em 2016 pela Dove em 7 países, que entrevistou 2 mil meninas de 10 a 17 anos e 4 mil mulheres de 18 a 64 anos, sobre como as mulheres se relacionam com a própria imagem no Brasil, apresentou os seguintes resultados:
- 66% das brasileiras concordam que na sociedade atual é fundamental cumprir com certas normas de beleza
- 71% das mulheres se sentem pressionadas para serem perfeitas e boas em tudo o que fazem
- 8 em cada 10 mulheres evitaram um compromisso social pois não se sentiam bem com seu próprio corpo
- 7 em cada 10 mulheres e garotas acreditam que mulheres bonitas possuem mais oportunidades
Será que em 2024 os resultados seriam tão diferentes? Como seria se fosse com você?
Para onde queremos ir…
Primeiro, peço que observem essas mulheres que agora celebramos, Xuxa, Eliana e a Fátima Bernardes, e como no passado elas mantinham seus corpos de acordo com a beleza padrão daqueles tempos, e agora, passados os anos, continuam com eles adequados a beleza padrão dos novos tempos, utilizando o dinheiro que puderam e podem usufruir ou a genética que receberam. Hoje circulam pelas mídias e redes sociais muitos outros exemplos como os delas… De jornalistas a dentistas. De influencers a atrizes. Seguindo à risca o padrão de beleza atual, aparentando jovialidade/juventude, com poucos ou sem sinais aparentes de “velhice”, e, ironicamente, falando muito bem do envelhecimento. Olhe no seu feed, quantas são aquelas que você segue que estão num padrão de beleza real?
Então, convido você a se perguntar e conversar com sua mãe, tias, amigas, filhas, colegas, avós: Será que, nesse processo de envelhecer, ainda estamos nos aprisionando ou libertando dos padrões de beleza, juventude eterna e perfeição, nos quais há anos gastamos energia e dinheiro para alcançarmos modelos idealizados e inalcançáveis? Quem você quer ser? Como você quer envelhecer?
Vamos pensar em Diversidade Etária?
Mudando de saco pra mala…A partir dessa valorização da senioridade feminina na televisão, podemos refletir sobre o movimento da diversidade etária. Hoje está mais comum tratar nas empresas sobre diversidade e inclusão, em especial na promoção de políticas de igualdade para pessoas negras, mulheres, lgbtqiap+, com deficiência… Porém ainda pouco se fala em acrescentar nesse bolo as pessoas mais velhas (leia aqui o excelente e-book com o estudo produzido pela Maturi e People Advisory Services), incluindo e misturando com as gerações mais jovens a experiência, a resiliência, o comprometimento, a trajetória de vida que o profissional sênior já tem, e em especial no caso da mulher, a capacidade de trabalho em rede e colaboração e maior regulação emocional.
Foto da Capa: Divulgação, TV Globo.
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