Na semana passada, o cantor Kanye West citou Lizzo em comentários de teor gordofófico, durante uma entrevista à Fox News. Personalidade controversa, homem negro de sucesso no showbusiness mundial, ele é o reflexo da ascensão da ideologia extremista e o quanto é possível se alienar da sua condição original para abraçar temas como antissemitismo ou até “vidas brancas importam”. Kanye é o produto clássico da alienação total e da teoria da conspiração que embasa suas atitudes e ideias.
E como Kanye se sente no direito de usar sua voz disparando suas ideias, a última foi contra a cantora Lizzo. É possível fazer uma breve análise de discurso, vamos ele:
“Lizzo trabalha com meu treinador, um amigo meu…”, disse o artista. “Quando Lizzo perde cinco quilos e anuncia isto, os bots – eles a atacam porque a mídia quer divulgar a percepção de que estar acima do peso é o novo objetivo quando na verdade não é saudável.” E continuou: “Vamos deixar de lado que é moda na Vogue, o que não é, ou se alguém acha que é atraente, cada um na sua. E as pessoas promoverem isso, é demoníaco.”
Esta declaração é a síntese perfeita da construção simbólica do extremismo que sempre tem “algo ou alguém” que possui intenções de dominação (a mídia… como se existisse um conglomerado sentado em algum lugar do mundo kkk). Sempre existe a afirmação “cada um pensa do jeito que quiser” kkk, porém logo depois vem as afirmações: não é saudável… e para o golpe final: demoníaco.
Apesar da onda de apoios e declarações de Lizzo, que tem ganhado cada vez mais ascensão na cena internacional com músicas e performances com conteúdo de amor-próprio, autoaceitação…, a patrulha do corpo alheio é firme nas críticas. E se Kanye West percebesse que o padrão do corpo magro extremo está retornando com força às passarelas, modelagens de roupas e na corporeidade das celebridades que influenciam massas estaria em paz com o “inimigo oculto”.
Na arena de disputa de narrativas: o Instagram é a rede social onde a beleza irreal e inalcançável é diariamente alimentado por seus filtros, mas é onde também surgem contra narrativas como o movimento corpo livre, criado pela jornalista, escritora e ativista Alexandre Gurgel, hoje embaixadora da Adidas e autora do livro: Pare de se odiar, e em pré-lançamento: Comece a se amar.
Alexandra Gurgel (@alexandrismos) reúne depoimentos de celebridades e de pessoas anônimas sobre assuntos relacionados ao corpo. Os temas vão desde acne até questões ligadas à cor da pele e ao padrão de beleza estabelecido pela sociedade.
No vale tudo para conseguir a tão sonhada barriga chapada: academia, marcar hora com aquela nutricionista famosa do Instagram, fazer dietas milagrosas e recorrer até mesmo a medicamentos irregulares. E entrar no circuito da indústria das intervenções cirúrgicas e cirurgias plásticas. A pressão estética tem sido a vencedora no Brasil.
De acordo com os dados mais recentes da pesquisa realizada pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS em inglês), divulgada este ano, o Brasil se encontra em segundo lugar no ranking internacional de realizações de cirurgias plásticas, perdendo apenas para os Estados Unidos. O Estudo contou com entrevistas de mais de mil profissionais da área e os dados são de 2020.
Ainda segundo a pesquisa, foram realizadas cerca de 1.306.962 operações no país. Entre os procedimentos mais realizados estão os de rosto/cabeça, corpo e extremidades e aumento de mama. A abdominoplastia foi a escolha mais popular entre as opções de cirurgias: cerca de 112.186 realizadas.
Quanto à distribuição de gênero, o levantamento indicou que, no panorama mundial, 86,3% dos procedimentos cirúrgicos são realizados por mulheres e 13,7% por homens. A mamoplastia de aumento é a operação mais feita por mulheres, quanto os homens a blefaroplastia (cirurgia das pálpebras) é a mais realizada.
Tudo certo? Na verdade, não. Tudo errado. Crescemos e vivemos em uma sociedade que nos faz acreditar na existência de um corpo considerado melhor do que outro. Mulher magra, mas não muito, porte atlético e sem celulite. Homens fortes, com músculos definidos, barriga tanquinho e bíceps inchado… Quem define o que é um corpo perfeito? Foi o que se perguntou Alexandra Gurgel. O movimento vem tomando força e extensão desde 2020 e já serve de objeto de estudo para várias pesquisas sobre narrativas emergentes, inclusão e diversidades, psicologia social e questionamento de padrões estéticos.
A ascensão de um contra movimento a Kanye não significa que exista uma conspiração secreta para tornar padrão o que é diferença… parece tão simples e tão obvio quanto se aprofunda e se sai da superfície mágica.
Corpo livre ainda é um movimento em tração e que luta para poder dar paz a quem se sente aniquilado(a) pela gordofobia que habita em nós.