Perto da Lancheria do Parque, tem um mendigo deitado com seu cão. Não sei o nome do homem, mas o do cachorro é Bob. Sob a marquise, a cara do mendigo é triste; a do Bob, não. Às vezes, passa por ali um desconhecido dançando. Se alguém chega perto, ele chama para dançar junto. Raramente aceitam. Dentro da Lancheria, tem muitos funcionários, de todas as idades. Alguns estão ali faz quase os mais de quarenta anos do estabelecimento. Conversam entre si e com os clientes. Conhecem-nos e as suas preferências. Não sei como a Lancheria faz para sobreviver sem economizar funcionários de longa data, mas, fora dali, não se faz mais isso.
Universidades, empresas de todo tipo e tamanho enxugam os gastos e ejetam os trabalhadores mais antigos. A regra é poupar. Pouco importa que a economia vai estourar na legião de desempregados, e que os novos, e em menor número, não conhecem a clientela. Ou que fiquem poucos para dar conta do serviço. O serviço não precisa dar conta. Ele precisa lucrar – eis o mantra macabro. É o que contam os números no Brasil e no mundo, mas números não dão conta de uma tragédia, por isso a gente tenta desenhar.
O desenho traça ao léu qualquer exemplo. A companhia de energia elétrica, por exemplo. Foi privatizada recentemente e entrou na roda sombria. Pouca gente para o tamanho do serviço, muitos fios caídos nas ruas, falta frequente de luz nas casas, demora na reposição. Aqui a regra não é dar a luz, mas, sim outra vez, dar o lucro. Por isso, à noite, a escuridão nas ruas é frequente, concreta ou metafórica. Dia desses, saí no breu e, ao cruzar o portão do prédio onde moro, dei com a cara no fio. Parecia desencapado e me preparei para um choque. Ele não veio, mas permaneci no breu. A escuridão só cedeu quando cheguei à Lancheria do Parque. O mendigo dormia; o Bob, não. O homem que dança não estava ali.
Às vezes, penso que a Lancheria é a última guardiã de humanidade na humanidade. Às vezes, sinto nela o pequeno estoque que restou de alguma esperança possível. O pão na chapa e o suco vindo direto no liquidificador espantam qualquer pessimismo. Concreta ou metaforicamente.