Desde a sua entrada em vigor, a Lei 13.429 de 21 de março de 2017, a chamada Lei da Terceirização, criou muita polêmica e discussão na sociedade e suas disposições foram questionadas não só na Justiça do Trabalho, mas inclusive no Supremo Tribunal Federal.
Essa é uma lei que se aplica às relações de trabalho na empresa de trabalho temporário, na empresa de prestação de serviços e nas respectivas tomadoras de serviço e contratantes.
Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços. De acordo com essa lei, considera-se complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal. Importante destacar que a Empresa de trabalho temporário é a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do Trabalho, responsável pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas temporariamente, e a Empresa tomadora de serviços é a pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada que celebra contrato de prestação de trabalho temporário com a Empresa de trabalho temporário. O contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a tomadora de serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade fiscalizadora no estabelecimento da tomadora de serviços.
Uma grande novidade criada por essa lei é que, além do contrato de trabalho temporário, pode versar sobre o desenvolvimento de atividades meio, ele poderá versar sobre as atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços.
Essa lei, para a desgraça das relações trabalhistas tradicionalmente existentes no Brasil, melhor dizendo, da classe trabalhadora, dispôs que qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário.
Para garantir que não surja o vínculo trabalhista entre o trabalhador temporário e o empregador, o contrato de trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não poderá exceder ao prazo de cento e oitenta dias, consecutivos ou não. Todavia, o contrato poderá ser prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não, além do prazo máximo estabelecido, quando comprovada a manutenção das condições que o ensejaram.
Para atenuar um pouco a situação de fragilidade a que o trabalhador fica exposto, foi determinado nessa lei que a contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário e pelo recolhimento das contribuições previdenciárias.
Importante esclarecer que a empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos, e é a empresa que contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços. E isso tudo não configura o vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante.
Vale dizer, os trabalhadores estão superdesprotegidos, além de o fator de produção “trabalho” ser muito subvalorizado em relação ao fator de produção “capital”, pois nossos bancos cobram juros altíssimos, e em comparação com o fator de produção “terra”, que está cada vez mais valorizado, os frágeis direitos dos trabalhadores, importantíssimos para quem ganha uma miséria de salário, foram suprimidos na sua quase totalidade.
Saliente-se que a contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos, sendo que é vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços.
Os serviços contratados poderão ser executados tanto nas instalações físicas da empresa contratante quanto em outro local, de comum acordo entre as partes.
Será de responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato.
A contratante poderá estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado.
Ressalte-se que o disposto na Lei da Terceirização não se aplica às empresas de vigilância e transporte de valores, permanecendo as respectivas relações de trabalho reguladas por legislação especial, e subsidiariamente pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Obviamente, foram inúmeros os questionamentos e conflitos jurídicos que acabaram abarrotando os tribunais. Desse modo, em 2018, o STF, ao julgar o Tema 725 – Terceirização de serviços para a consecução da atividade-fim da empresa, decidiu com Repercussão que “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”
Em junho de 2020, o STF julgou constitucional a Lei de Terceirização, sendo que votaram pela constitucionalidade da lei os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Celso de Mello, e ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, conforme se verifica na publicação da Agência Senado.
Obviamente, não era esse o entendimento de muitos integrantes do TST e, em 2021, o ministro Alexandre de Moraes anulou decisão do TST que havia declarado ilícita a terceirização de concessionária de telefonia. A referida decisão do TST foi baseada “na Súmula 331 daquela corte e concluiu que havia “subordinação estrutural” entre a empregada terceirizada e a concessionária de telefonia e que sua atividade estava compreendida na atividade fim da TIM.”, conforme informado no portal do STF .
Em 19.05.2021, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 635.546, fixou tese de repercussão geral referente ao Tema 383 e decidiu que “A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratar de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que são suas.”.
E agora, há poucos dias, o Tribunal Pleno do STF fixou a seguinte tese para o tema 1.118:
“1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público. 2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo. 3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974. 4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior”, nos termos do voto do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Edson Fachin e Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia, que já havia proferido voto em assentada anterior. Impedido o Ministro Luiz Fux. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 13.2.2025.
A meu ver, a situação dos trabalhadores ficou bem prejudicada, pois cabe a eles o ônus e as consequências de notificar a administração de que a empresa está descumprindo suas obrigações trabalhistas, o que pode acarretar inclusive na sua demissão, como retaliação, dependendo do caso. Como o trabalhador poderá provar que a empresa não está cumprindo com as suas obrigações sem se expor? Isso pode ser arriscado, muito difícil, quase uma prova diabólica.
Com todo respeito ao entendimento diverso da maioria dos ministros do STF, gostei muito do ponto de vista do Ministro Fachin, exposto durante recente julgamento realizado pelo STF, conforme vídeo publicado no Instagram da JURINEWS, no dia 12 de fevereiro de 2025, de que Justiça do Trabalho “firmou o entendimento de que o ônus probatório quanto a fiscalização dos contratos de trabalho dos empregados terceirizados recai sobre a Administração Pública… agora a Administração Pública quer terceirizar também o ônus da prova, da sua culpa, é a hipertrofia superlativada da terceirização e, portanto, fazer recair sobre os trabalhadores é exigir desincumbirem-se os trabalhadores de uma prova cujo encargo não têm as mínimas condições de serem satisfeitas, por isso, consequentemente, nos limites da sua competência, esse tribunal tem mantido a condenação subsidiária imputada aos entes tomadores de serviço sempre que afirmado pela Justiça Trabalhista da origem que o tomador não se desvencilhou de tal encargo, ou seja, não produziu prova da aludida fiscalização”. Infelizmente, ele foi voto vencido, a maioria dos outros ministros pensa diferentemente. Todavia, para mim, os trabalhadores ficaram ainda mais fragilizados. Estamos vivendo um tempo muito difícil para a classe trabalhadora.
Qual é a sua opinião sobre isso tudo?
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Foto da Capa: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil