Nunca me aprofundei formalmente nos estudos sobre a origem das palavras, mas esse é um campo que adoro: Etimologia. É uma prática fascinante, pois revela riqueza e complexidade da linguagem, bem como as camadas históricas que moldaram o nosso vocabulário. Observar como palavras são formadas e evoluem ao longo do tempo oferece uma perspectiva única sobre a nossa sociedade e suas transformações.
Estrangeirismos e modismos na linguagem existem desde sempre. Livros, viagens, meios de comunicação em geral colaboraram para que deixássemos de falar “auto”, originária de automóvel, para dizer carro, do inglês car (só para lembrar um exemplo corriqueiro). Culpa do cinema. Culpa? Ok, vamos dizer: influência. O cinema foi o primeiro agente de massa a propagar anglicismos e a televisão acabou por consolidá-los. Com a massificação da internet, a coisa toda se foi ladeira abaixo (acima, defendem alguns).
Em um recorte para a área de comunicação, vivenciamos o crescimento massivo de estrangeirismos na publicidade, no marketing (por que não no mercado?), na economia e agora no direito e em tudo que se relaciona a questões raciais. Briefing, call, break ganharam companhia de ESG, compliance e letramento racial, por exemplo, rolam soltos por aí.
O que mais me espanta não é o fato de muita gente não os conhecer. Mas, sim, a tranquilidade com que os que conhecem usam e jogam esses termos na cara da gente como se fossem as palavras mais comuns da vida. Por mais que estejam na boca de advogados, ativistas, militantes e simpatizantes antirracistas, são termos falsamente banalizados, dos quais poucas pessoas sabem o real significado.
Creio que a tradução mais adequada para compliance em português seja conformidade, no sentido de estar “dentro do conformes”. O termo conformidade captura bem o significado de garantir que uma organização esteja adequada a regras, regulamentos, leis e padrões éticos que se aplicam às suas atividades. Seria uma tradução simples, mas prefere-se o termo em inglês.
Em relação à sigla ESG, que representa tradicionalmente os pilares de (assuntos) Ambientais, Sociais e de Governança (Environmental, Social and Governance), a sigla poderia ser simplesmente ASG e pronto. Se eu fosse tradutora, eu inverteria o uso da sigla para GAS em português: Governança, Ambiente e Social. Pensa bem: faz mais sentido “dar um GAS em sua empresa”!
Ok, seriedade, Rejane. Vamos lá.
Embora a interpretação das letras possa variar de acordo com o contexto, a definição convencional mantém esses termos. Portanto, ESG é amplamente aceito como uma abreviação para três dimensões específicas:
E (Ambiental) refere-se a questões relacionadas ao impacto ambiental e à sustentabilidade, como mudanças climáticas, uso responsável de recursos naturais e práticas de gestão ambiental.
S (Social) abrange questões sociais, como direitos humanos, igualdade de gênero, diversidade, inclusão, condições de trabalho, responsabilidade social corporativa e outros fatores que afetam as comunidades e os stakeholders.
G (Governança) diz respeito às práticas de governança corporativa, incluindo estruturas de liderança, integridade, transparência, ética empresarial, relações com acionistas e outras políticas e procedimentos relacionados à administração de uma organização.
Letramento Racial
Nós, como sociedade, estamos em um constante processo de evolução. E parte desse processo envolve refletir sobre o nosso passado, compreender o nosso presente e moldar o nosso futuro. Hoje, mais do que nunca, esse processo deve incluir uma compreensão profunda e sensível das questões raciais. Isso nos traz ao conceito de “letramento racial.”
O letramento racial não é uma mera tradução de racial literacy, mas um convite para explorar a nossa história e reconhecer a complexidade das questões raciais que moldam nossa sociedade. É um aprendizado que exige que todos nós, coletiva e individualmente, estejamos preparados para analisar, discutir e confrontar o racismo em todas as suas formas.
Trata-se de um processo de reeducação que engloba um conjunto de práticas com o objetivo de desfazer concepções e comportamentos que foram enraizados e aceitos socialmente. Isso diz respeito tanto em relação às pessoas negras, desconstruindo o imaginário racista, quanto em relação às pessoas brancas, desconstruindo o imaginário de superioridade.
Vivemos em um mundo globalizado, onde a diversidade é um dos nossos maiores ativos. Em um contexto de negócios, empresas expandem seus mercados e equipes para além das fronteiras nacionais. A diversidade é vista como um impulso para a inovação e para a tomada de decisões bem fundamentadas. No entanto, essa diversidade só é valiosa se for acompanhada de inclusão e igualdade.
E é aqui que o letramento racial desempenha um papel crucial. Ele é o instrumento que nos permite compreender as disparidades raciais que podem existir dentro das organizações e ajuda a criar ambientes de trabalho que valorizem e respeitem a diversidade racial. O letramento racial significa reconhecer que, para uma empresa ser verdadeiramente diversa e inclusiva, não basta apenas recrutar talentos de origens diversas; é preciso criar uma cultura que valorize e promova a igualdade racial.
E, veja bem, o letramento racial também é fundamental para o indivíduo. A educação e a reflexão sobre as questões raciais permitem que cada um de nós seja um agente de mudança. Isso envolve reconhecer os privilégios que podem advir de nossa própria identidade racial, enfrentar preconceitos e estereótipos enraizados e se envolver em conversas abertas sobre raça. É a capacidade de ser um aliado ativo na luta contra o racismo.
Em nosso dia a dia, o letramento racial se manifesta em uma série de práticas e atitudes. Envolve a promoção da diversidade e inclusão em nossas redes de amizades, a busca por fontes de informação diversas e o apoio a organizações que trabalham pela igualdade racial. Envolve disposição para escutar, aprender e ser um defensor ativo da justiça racial.
Já percebeu, não é, meu caríssimo, que esta não é uma tarefa simples, nem é uma jornada que tenha fim. Este é um compromisso contínuo com a compreensão, com a igualdade e com a mudança. É a aceitação de que as questões raciais são centrais para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Nós já percorremos um longo caminho na evolução das nossas mentalidades e práticas em relação à igualdade racial, mas a estrada é muito longa e repleta de encruzilhadas, desvios, dúvidas e armadilhas. Pensar e repensar nosso comportamento, nossa empresa, nossas vidas, vai além das palavras da moda, de estrangeirismos adotados sem profundidade. O letramento racial é uma ferramenta vital nessa jornada. É um lembrete de que o nosso passado moldou o nosso presente, mas que temos o poder de moldar um futuro em que a igualdade racial seja real.
Dia 18 de novembro, no evento Mesa de Cinema, vamos ter uma vivência de letramento racial a partir da obra do rapper Emicida; mais especificamente, a partir da análise do documentário AmarElo. Todos os participantes vão poder absorver de forma prática os ensinamentos, as entrelinhas, a filosofia e a cultura negra brasileira urdida no roteiro, nas falas e nas imagens dessa obra icônica.
Fica o convite para quem quiser refletir e participar de uma forma deliciosa sem abrir mão da pauta geral de novembro: consciência.
Clique aqui para mais detalhes.
Revisão: Rodrigo Bittencourt
Foto da Capa: Emicida / Netflix