Nesse último final de semana, fui a uma festa junina. Confesso que nunca fui muito afeita a esse tipo de festejos, não faz parte de meus repertórios familiares. Logo, todo aquele processo de brincadeiras, barraca do beijo, corrida do saco, fantasias de caipira não me atraíam e nem atraem muito hoje em dia. Mas lá fui eu no sábado ensolarado participar desse ritual cultural. Nos brindes das brincadeiras, minha filha recebeu um kit onde nele continha uma língua de sogra. Esse tão simples, quase óbvio brinquedo que existe e resiste há tantas décadas em festas de aniversário ou comemorações como essa que estive. Mesmo com esse nome tão empoeirado, preconceituoso e ultrapassado.
Fiquei me perguntando como pode ainda atrair atenção e desejo das crianças de nossos tempos tão tecnológicos um brinquedo de engenharia tão básica e primitiva. Simplesmente assoprar e ver aquele papelzinho se desenrolando num vai e vem aparentemente sem propósito. Lembrei do famoso jogo de fort da Freudiano, em que Sigmund observou seu neto brincando com um carretel nesse vai e vem do objeto, o que ele teorizou como um processo elaborativo de ausência e presença do objeto materno. De que maneira nos mantemos emocionalmente fiéis a brinquedos transgeracionais e ao qual filhos e netos instintivamente se conectam? Talvez Freud sempre teve razão e nosso engenhoso aparelho psíquico encontra vias de amadurecimento e enfrentamento de demandas de ligação de formas muito “clássicas” e com uma tecnologia que independe de avanços futuristas. Estamos sempre agarrados no vai e vem, no fort da, no carretel, no ioiô (alguém ainda brinca de ioiô?). Quem sabe até mesmo o feed de nossos Instagrams não seja um grande brinquedo de “scrollar” que, desaportuguesando, vem do inglês scroll e quer dizer rolagem. A grande diferença é que essa rolagem do Instagram é infinita, frustrante, uma busca desenfreada por uma dopamina que nunca é suficiente. Essa timeline nunca chega ao fim e isso exaure. A tal língua, não. Desenrola e enrola de volta, estira-se toda e retorna ao estado original, e assim prossegue por um tempo até uma provável troca de brincadeira. É bom ir percebendo e se certificando que pelo menos numa determinada fase da vida e graças a alguns recursos pedagógicos e lúdicos, as coisas vão, mas voltam. A mãe vai, mas volta, a diversão vai, mas volta. O medo, a raiva, também.
Ainda bem que alguns brinquedos não mudam e sua função certamente não é em vão. Ainda bem que enquanto adultos podemos nos reencontrar saudosos e até surpresos com esses artefatos antiquados, mas, não por acaso, atemporais. A vida anda desenrolando muito rápida e poucas coisas retornam para nos aplacar a angústia da perda e da insuficiência.
Língua de sogra não me parece um nome justo a esse despretensioso e quase ingênuo brinquedo de criança. Talvez eu chamaria de língua da vida, língua das pulsões, língua do tempo, língua do desejo: que vai e volta, que pulsa, que é intermitente, que pode – ainda que de vez em quando – repousar no retorno para tomar ar. Requer vontade, força suficiente de sopro (nem demais para não rasgar, nem de menos que não faça desenrolar), capacidade de dirigir todo ar a um pequeno tubo sem maiores expectativas além do que é.
E nesse vai e vem de medo e desejo, vida e morte, amor e ódio, alegria e tristeza, seguimos pela vida.
Brincando e vivendo.
Até rasgar.
*
Foto da Capa: Freepik
Mais textos de Luciane Slomka: Leia Aqui.