Nas ruas e nas telas observamos os fluxos de migrações do mundo como se existisse uma aparente fluidez geográfica, uma crescente liberdade no ir e vir. Essa ilusória sensação se retroalimenta nas mesmas camadas sociais que ainda podem acessar as diferentes ruas do mundo, reproduzindo-as em aparelhos de telas cada vez mais sofisticados.
No entanto, à margem dessa mobilidade geográfica e digital, estão os migrantes forçados e os refugiados. Pessoas que não têm para onde voltar e cuja batalha é manter alguma ideia de para onde ir. Uma realidade crescente e indisfarçável no mundo pós-globalizado em várias formas e em vários países.
A crise climática soma dramatismo a essa situação que – nós do RS agora sabemos – está bem ao nosso alcance. Como diz a canção, sabemos que o que aconteceu ainda está por vir, e o futuro não é mais como era antigamente. Estamos na era dos refugiados climáticos. Poderíamos tê-lo deduzido há algum tempo. De fato, nem precisava deduzir, bastava escutar a ciência-ativismo, por exemplo, com José Lutzenberger, com Chico Mendes, ou ainda, com as próprias Nações Unidas.
Há exatamente 32 anos era assinado, no Rio de Janeiro, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. A Cúpula da Terra, Conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento (Rio-Eco 92) foi um marco que, em seu momento, fez da ecologia e do meio ambiente expressões pujantes da intelectualidade que eram capazes de envergonhar seus desconhecedores.
E hoje, mesmo desastre após desastre, há uma teimosia em curso. Uma teimosia que insiste em não querer ver o óbvio. A crise já é, já está. Nessa obstinação obtusa, parece que mantivemos certa ilusão de que a América Latina pudesse estar na posição protagônica de receber refugiados, apesar de que já tenhamos os nossos próprios. Algo dessa estúpida ilusão deve ainda estar forte em nós. Se não, como explicar a insistência com a privatização das praias?
Nos meus sonhos distópicos particulares, as praias privadas são as únicas atingidas pelos tsunamis. Ninguém morre, mas vários espelhos são quebrados. Uma breve linha de fuga que me permito, embora não sirva de muito. Nos últimos dias, de diferentes pontos e vozes, tenho escutado o anseio de querer sair de Porto Alegre e/ou sair do Rio Grande do Sul. Em minha própria condição migrante, primeiro de autoexílio e depois escolha de vida, acredito que inspire esse tipo de partilha por parte de meus interlocutores. Em todo o caso, a pergunta que fica sempre: quais são as linhas de fuga seguras?
Das aulas de arte me recordo do conforto encontrado no uso da técnica dos pontos e linhas de fuga geradores de perspectiva. Essa última é uma palavra-chave para qualquer movimento. Qual o desenho, qual o projeto possível? Quê perspectiva temos? Pouquíssimos de nós podem sonhar com um planeta B. Então, melhor usar as linhas das tais perspectivas para gerar melhores realidades. Tomara que ainda dê tempo!
Foto da Capa: UNHCR
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