Eles são poucos ainda, apenas quatro. Fique atento, esses nomes têm o pé na África e na cozinha e estão mudando a história culinária mundial: Selassie Atadica (Gana), Fatmata Binta (Serra Leoa/Gana), Mory Sacko (Mali/França) e Dieuveil Malonga (Congo/Ruanda) têm muita estrada para trilhar e muito tempo para brilhar.
Toda a vez que uma lista com os melhores restaurantes do mundo é publicada, é grande o alvoroço no mundo gastronômico. Saiu dia 18 de julho um dos mais respeitados prêmios da área: The Best Chef Awards, da revista britânica The Restaurant, enfileirando os melhores endereços para se comer no mundo. Embora seja uma conquista importante, não foi a presença de um restaurante brasileiro na lista dos dez mais (A Casa do Porco – SP) que me chamou a atenção nesta premiação. Para mim, o grande destaque foi o fato de ver pela primeira vez alguns nomes do continente africano espalhados pela lista. É emocionante ver talentos bastante jovens e com histórias encantadoras.
Cozinha nômade
Não é de hoje que a chef ganense Selassie Atadika quebra a regra da invisibilidade. Chef mulher, chef preta, chef africana. Selassie traz aí três predicados que rompem paradigmas isoladamente.
Seu trabalho se destaca à frente do restaurante nômade Midunu, em Acra (Gana), e mais ainda por promover a Nova Cozinha Africana, que tem plantas nativas e grãos ancestrais como protagonistas de fine dining – subsegmento do foodservice que reúne restaurantes liderados na maioria das vezes por chefs (sejam operações próprias ou de investidores), locais sofisticados em serviço, arquitetura, decoração, atendimento e menu.
Antes de tornar-se chef e embrenhar-se pelo universo gastronômico, Selassie trabalhou durante uma década em missões humanitárias da ONU. Dos 54 países que compõem o continente africano, ela visitou 40. Sua percepção é de que é possível mudar a forma como as pessoas enxergam um povo e uma história de séculos de dor ao reapresentar pratos tradicionais nos moldes da alta cozinha.
Tapete mágico
Outra mulher negra surge na mira da mídia especializada e ganha cada vez mais os holofotes é Fatmata Binta, a chef Binta. Nascida em Serra Leoa e com atuação em Gana, ela acumula prêmios por seu projeto na Fundação Fulani Kitchen, cujo objetivo é valorizar as receitas tradicionais e hábitos alimentares da Fulani, maior tribo nômade da África Ocidental – são cerca de 20 milhões de pessoas se movendo por diferentes territórios. Binta mostra uma cultura culinária nômade sustentável ao explorar a diáspora da culinária desta África por meio de sua inovadora iniciativa pop-up “Dine on a Mat”. O Jantar no Tapete é um restaurante nômade que oferece uma experiência imersiva nas formas de comer e interagir com a comida do Fulani. Com a iniciativa, a chef espera iluminar técnicas ancestrais, incluindo o compartilhamento de grãos, especiarias e, acima de tudo, histórias e conversas.
Fusão africana
Dieuveil Malonga, congolês de 30 anos, conquistou o público – e a crítica – com seu restaurante Meza Malonga, que faz uma afrofusion, em Kigali, Ruanda.
Aos 13 anos, Malonga mudou-se para a Alemanha, depois para França. O contato com essas duas culturas propiciou o aprendizado de técnicas, história e cultura culinária mais europeias, sem o afastar de suas raízes. Sua busca para criar uma ponte culinária entre sabores africanos e culinária ocidental foi uma constante. A saga para beber e comer na fonte, fez com que estivesse em 38 países da África. Em 2016, ele criou a plataforma Chefs in Africa, ajudando os cozinheiros africanos a superar barreiras como falta de treinamento, emprego e equipamentos, além de discriminação e racismo. Chefs na África conectam instituições governamentais, centros de treinamento e empresas com chefs profissionais e jovens estudantes de culinária ou aprendizes de todo o continente que buscam experiência de trabalho. Atualmente tem mais de 4.000 chefs africanos como membros.
Samurai negro
A novíssima sensação no cenário gastronômico francês é filho de imigrantes do Mali e do Senegal. Pelo visual e pela origem e principalmente pelo talento, Mori Sacko impõe uma abordagem genuinamente nova para a culinária gourmet, combinando os sabores e ingredientes da França, Japão e África Ocidental – algo que ameaça agitar o acomodado mundo da alta gastronomia francesa e internacional.
Mory Sacko impressiona com sua juventude e beleza. Com 1,80 de altura, 29 anos, dreadlocks e seu dólmã que mais parece um quimono, refletindo sua paixão pela cultura japonês. O menino prodígio da gastronomia francesa anunciou em junho, início do verão europeu, sua mais nova façanha: em parceria com a grife Louis Vuitton, Sacko inaugurou um novo restaurante, desta vez, na badalada Saint-Tropez, no sul da França. Nada mal para quem, em plena pandemia, abriu seu primeiro restaurante – o MoSuke – e em fato inédito conquistou uma cobiçada estrela Michelin apenas dois meses depois. Nome originado de uma fusão de seu primeiro nome, “Mory”, e de “Yasuke”, o primeiro samurai não japonês, que foi um africano anteriormente escravizado.
E mais, o garoto, além de acumular prêmios, tem seu próprio programa de TV, Cuisine Ouverte, atraindo mais de 1,5 milhões de telespectadores, e a revista Time o identificou como um de seus Líderes da Próxima Geração.