Flor da Leitura
Sou uma frequentadora de livrarias desde que vim morar na capital gaúcha. Os caminhos me levaram para o centro da cidade e logo descobri e me encantei com a Feira do Livro de Porto Alegre. Adoro dar livros de presente e estimular leituras. Acredito que foi por conta dessa paixão que vi uma livraria nascer dentro de casa, fruto de uma brincadeira inventada pelas crianças, que estimulei muito. Fui dando asas às ideias e os livros foram tomando conta. Inicialmente, Joaquim, o mais velho, era o proprietário. Flora, a mais nova, deu nome ao espaço – Livraria Flor da Leitura. Virou gerente e atendia os clientes com atenção e delicadeza. Com a pandemia, ficamos um tempo sem brincar. Mas assim que a vida normalizou montamos até uma exposição para homenagear o vovô Zé (jornalista José Walter de Castro Alves), que recém havia partido, com desenhos que ele fez para os netos. O tempo passou. Joaquim não quis mais participar. Mas a Flora, quando entrou em férias no final de 2023, me convidou para retomar a brincadeira. Aceitei imediatamente. Ela segue no atendimento, mas hoje também é bibliotecária e proprietária do espaço.
Eu acabei me transformando no público que procura por livros. Assumo personagens diversos a cada dia que Flora me chama para brincar. “Faz de conta que hoje tu vai comprar um livro infantil para dar de presente”. E lá vou eu. “Hoje tu vai pedir um livro que eu não tenho e vou encomendar”. “Aí, tu vai ligar para perguntar se o livro já chegou”. E lá vou eu mais uma vez. Sempre que uma das clientes que eu represento faz uma compra e vai pagar, ela pergunta se é no cartão, à vista ou no crédito. E vem com uma maquininha para finalizar a venda.
Na sequência da brincadeira, Flora lembra que precisamos abrir uma página no computador para que a atendente – ela – possa anotar os livros que foram vendidos com a data, o preço, o nome e o contato da pessoa que fez a compra. Feito isso, precisamos colocar os livros em exposição para que as pessoas que entram na loja vejam. Tiramos da estante e colocamos sobre a mesa para facilitar o acesso. E lá vou eu, a cliente, bisbilhotar e conversar com a moça que atende. “Agora, faz de conta que tu chegou, a livraria estava fechando, mas eu resolvi te atender porque tu sempre nos procura”. Eu respondo: “Gentileza gera gentileza”. Ela responde: “Bonito isso”. Em seguida, coloca o olho em dois bonecos criados pelo artista Elton Manganelli (foto da capa), um amigo muito querido, que tenho na estante e diz: “Acho que a gente pode ter bonecos como estes para vender também. É uma boa sugestão para crianças que ainda não sabem ler”, argumenta. E é!
Reunião dos Bichos
Esta já é uma brincadeira mais antiga. Joaquim era bem mais novo e ganhava muitos bichos de presente. Dinossauros, então, ele tinha vários. Um belo dia, o gurizinho resolveu, já não lembro o motivo, que queria fazer uma Reunião dos Bichos para falar sobre assuntos diversos. Vovô Zé e vovó Kixi logo se prontificaram para participar da organização dos encontros, dar ideias, sugerir temas a serem discutidos e por aí afora. Logo também fui convocada. Os bichos formavam uma grande roda, montada no centro da sala do apartamento dos avós, a partir de critérios que Joaquim decidia. Um dos bichos era escolhido para conduzir a reunião e ficava no centro da cena, cercado pelos outros em círculo. O tema era colocado em pauta e, organizadamente, todos iam se manifestando. O meio ambiente e os cuidados com a natureza foram assuntos em diversos momentos. A imaginação fluía naturalmente e nós nos divertíamos muito.
Nesses encontros com os bichos, eu lembrava muito do livro “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, escritor e jornalista inglês, um clássico da literatura moderna. Orwell faz uma sátira da ditadura stalinista, apontando, com bom humor, as fraquezas humanas, as relações de poder, as manipulações políticas tão recorrentes no nosso cotidiano, as revoluções, o totalitarismo, enfim.
O mergulho nas brincadeiras com crianças é um momento incrível, lúdico e relaxante porque me tira deste tempo tumultuado que vivemos, traz leveza, ressignifica o cotidiano e turbina a boa energia.
Foto da Capa: Acervo da Autora, com boneco do artista Elton Manganelli