O ano é de eleições municipais
Queiramos ou não, há um inquietante desencanto permeando quase tudo a nossa volta. Na tentativa de não desistir, repito o que já escrevi muitas vezes – O jeito é esticar o olhar para além dos nossos botões e janelas, nossas esquinas, ruas e cidades, em busca do resgate da esperança. Não desanimar. Civilizar as desavenças. Organizar os delírios. Perseguir o equilíbrio. Entre o caos e uma possível ordem, alguma coisa há de fazer sentido. O ano é de eleições municipais e, mais uma vez, a arte me ampara.
“Linhas Paralelas”, do mineiro Murilo Mendes, nascido em 1901, resume, com a simplicidade da poesia, os movimentos políticos na prática, aqui, lá, acolá.
Um presidente resolve
Construir uma boa escola
Numa vila bem distante.
Mas ninguém vai nessa escola:
Não tem estradas pra lá.
Depois ele resolveu
Construir uma estrada boa
Numa outra vila do Estado.
Ninguém se muda pra lá.
Porque lá não tem escola.
A sabedoria dos versos do poeta, que encontrei na “Antologia Ilustrada da Poesia Brasileira – para crianças de qualquer idade”, organizada e ilustrada por Adriana Calcanhoto (Casa da Palavra), me faz ruminar o fazer político como é e como não o queremos.
É nosso direito e dever acompanhar e participar da administração pública, conhecer cada projeto dos governos no país, no estado, no município, na cidade, na vila, no bairro, no entorno em que vivemos. A reforma de uma praça, a limpeza de ruas e bueiros, o lixo, a canalização de um córrego, a colocação do asfalto e das sinalizações, a melhoria dos serviços, as mudanças na educação e na saúde, a reutilização dos espaços, o deslocamento de moradores de vilas e beira de estrada, os sentidos da urbanização.
Cada ação deveria valorizar a vida e a cidadania. Mas, definitivamente, não é assim. As atitudes dos administradores seriam fundamentais se os interesses não fossem tão contaminados pela privatização e as almas não fossem tão pequenas!
A política partidária praticada no Brasil evoluiu muito pouco! Tem caráter autoritário, egoísta, redutor e revanchista. Desmantela ao invés de construir. É mais predatória do que civilizadora. Mais empresarial do que ética. Mais econômica do que social. Mais burocrática do que libertária. Mais individual do que coletiva. Os eleitos simplesmente acomodam seus interesses e os interesses dos apadrinhados no poder para não perder nada e garantir os privilégios.
Em 1968, o artista plástico Hélio Oiticica, em carta para a pintora e escultora Lygia Clark, sinalizava: “Quando há real inovação, a sabotagem sempre impera”. Comentário que diz muito do período de eleições.
Hora do voto
“Desta hora, sim, tenho medo”, diz a canção “Anoitecer”, de José Miguel Wisnik
O momento é delicado e o jogo egocêntrico. A política eleitoreira é mesquinha e superficial. Poucos parecem realmente interessados em olhar sem máscaras para as ações ou omissões que geram desigualdade, degradação, miséria, abandono, violência, medo. Poucos falam em uma política livre das amarras da corrupção, tenha ela o tamanho que tiver. Muito poucos! Sabemos que alianças são necessárias, mas não podemos abrir mão da nossa dignidade, hoje tão ignorada.
E as campanhas eleitorais, lamentavelmente, seguem recheadas de verbas absurdas, enquanto a miséria brota nas ruas. As promessas são vazias e zombam da gente, como se fosse possível resolver os problemas num passe de mágica.
Mesmo assim, e apesar de todos os desvios, aposto no voto. É um meio de manifestar nosso desejo de um governo conduzido por pessoas íntegras. Um governo que não tenha medo da diversidade, da nossa capacidade de pensar, da nossa criatividade, da memória que nos constitui, da arte que nos representa, do aprendizado múltiplo e libertário. Um governo voltado para a inclusão, que reconheça singularidades e não roube direitos legítimos para nos matar aos pouquinhos.
(Releitura de um texto que escrevi em março de 2018)