Talvez você não esteja familiarizado com a expressão “lugar de fala”, mas ela vem sendo muito utilizada em vários círculos de conversas. Este conceito se difundiu no Brasil a partir do lançamento do livro “Lugar de Fala”, em 2017, pela filósofa Djamila Ribeiro. A autora diz que não se sabe precisamente quem criou esta expressão, mas o conceito que ela engloba vem do feminismo negro americano. Eu resolvi pesquisar sobre o assunto e percebi que existem críticas ao conceito e à posição política da Djamila, tanto de pessoas e movimentos de direita, como de esquerda, o que me deixou ainda mais curioso.
O que significa “lugar de fala”? Na visão de Djamila, “todos têm lugar de fala, seja rico ou pobre, homem ou mulher, negro ou branco, cis ou trans, e um ponto de vista sobre a sociedade, mas o problema é que só alguns pontos de vista são ouvidos. Para entender isso, é preciso compreender que existe uma hierarquia de poder na sociedade que dá mais poder para uns grupos do que para outros”. O ponto de vista do grupo dominante tem respeito e visibilidade, já o do grupo dominado é questionado e invisibilizado. Se a história fosse contada pelos povos indígenas, o Brasil teria sido invadido e não “descoberto”. Outra confusão é sobre representatividade, que é pensar que só negro pode falar de racismo. Ela diz que a “pessoa branca deve discutir racismo, que passa por desnaturalizar lugares, a começar a se incomodar e a se questionar, por exemplo, por que na universidade os professores são brancos e as faxineiras são negras? Isso é natural? O lugar de fala nesse sentido passa a ser uma postura ética”.
Corroborando com esta ideia, Guilherme Terreri diz que quando a gente ouve alguém falando de um assunto polêmico, devemos nos perguntar: “Quem está falando? De que lugar? Essa pessoa está falando algo que é uma crença dela? Existe alguma prova ou evidência? Ela está falando isso porque viveu na pele? Ou ela está falando porque estudou, analisou dados e está baseada em ciência? Cada pessoa fala de um lugar e este lugar não garante que a sua fala seja correta”. Não é o que, mas de onde se fala. Importante ter em mente que, se algumas pessoas falam de um lugar discriminado, é porque existem outras que falam de um lugar que as discrimina.
Harriet Tubmann, uma das maiores abolicionistas do mundo, disse: “Libertei mil escravos. Poderia ter libertado outros mil, se eles soubessem que eram escravos”. Ou seja, temos exemplos de pessoas que pertencem a grupos oprimidos, mas não reconhecem a opressão. Negros que não reconhecem o racismo. Homossexuais reacionários que não reconhecem as lutas contra a discriminação dos homossexuais, etc. No Brasil, ninguém é agredido ou morto pelo fato de ser heterossexual, mas um homossexual poderá ser agredido e morto pelo simples fato de ser quem é.
Em algumas entrevistas, Djamila diz que muitas pessoas brancas dizem não serem racistas, mas que isto não é uma questão individual. As pessoas devem se questionar se pelo fato de serem brancos estão recebendo 30% a mais do que o colega negro ou se possuem outras regalias, uma vez conscientes dos seus privilégios, se perguntar: o que eu posso fazer para mudar esta situação no ambiente em que eu vivo? Do contrário, estará legitimando o racismo.
As críticas ao livro e ao conceito ocorrem por movimentos de direita e de esquerda. No podcast “A hipocrisia sobre o ‘Lugar de Fala’, do Brasil Paralelo”, um movimento de direita, um dos participantes diz: “Este negócio de lugar de fala é uma besteira, não faz o menor sentido. A premissa que está por trás é que você só pode falar sobre o que quer que seja se você viveu aquela experiência… é uma ferramenta de manipulação psicológica… ” (Prof. Aluísio Dantas). A crítica pela esquerda encontrei numa live do historiador marxista Jones Manoel, cobrando de Djamila um posicionamento anticapitalista e que ela resgatasse as contribuições das feministas negras comunistas americanas. Ele analisa o livro e diz que Djamila não faz críticas à burguesia e nem ao capitalismo, seu foco é no homem branco heterossexual, não importando se ele é um trabalhador ou um burguês.
O entendimento que tive nas leituras que fiz foi de que “lugar de fala” não se restringe à discussão de racismo ou de relação de gênero, mas cabe para toda e qualquer situação em que exista algum privilégio, um opressor ou alguma disparidade nas relações. A relação entre pais e filhos é um exemplo de que cada um parte de um lugar de fala distinto, mesmo que exista muito amor e respeito nessa relação. Considerando que todos têm lugar de fala, mas que uns são mais ouvidos do que outros, e que não é o que, mas de onde se fala que importa, me questionei sobre o meu lugar de fala nesse momento. Sou homem branco, heterossexual, professor numa boa universidade, o que me coloca entre os mais ouvidos. Este texto é o resultado da pesquisa que fiz e da minha tentativa de entender o conceito, que eu compartilho com você. Deixo as referências para que você possa acessar e aprofundar o seu conhecimento sobre este tema. Aprendi muito com Djamila, me provocou reflexões e, de agora em diante, ao ouvir alguém, sempre farei esta pergunta: “Quem está falando? De que lugar esta pessoa fala?”
Referências:
- Lugar de Fala, de Djamila Ribeiro - Áudio livro completo
-Curta! Livros | O que é lugar de fala?
-Djamila Ribeiro explica o lugar de fala, racismo e representatividade | Lugar de Escuta #01
-Aula sobre Lugar de Fala - Djamila Ribeiro
-Lugar de fala e confusão que se faz - Guilherme Terreri
-What is standpoint theory? Spartakus Santiago
-A hipocrisia sobre o "lugar de fala" - Brasil Paralelo
-Crítica ao conceito de lugar de fala – Jones Manoel
Foto da Capa: Montagem
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