“Talvez tenha faltado alguém que sussurrasse aos ouvidos majestáticos do Príncipe a frase que poderia mudar o destino: – Deixa o Frederico ficar!” – palavras de Erna Ingrid Edeltraud Bimmelbahn Von Streuselkuchen (Baronesa de Hexenplatz).
Kallstadt é um vilarejo com cerca de 1200 habitantes no estado da Renânia-Palatinado, na Alemanha. Pertenceu ao Reino da Baviera grande parte do século XIX. Conhecido por suas pequenas vinícolas, há registros de que a viticultura já era uma prática local desde pelo menos 79 a.C.
Em 1885, Friedrich (Frederico), a quem poderíamos chamar pelo diminutivo Fritz, um jovem de 16 anos, deixou Kallstadt e foi tentar a vida na América. Em plena Corrida do Ouro, enquanto a maioria se empenhava em buscar diretamente o metal, dedicou-se a abrir negócios. Estabelecimentos onde oferecia comida, bebida e, segundo sua biógrafa, a jornalista americana Gwenda Blair, também prostitutas.
“Fritz” queria ser grande. Conseguiu. Fez fortuna. Com dinheiro no bolso, retornou à sua cidade natal na Alemanha, onde casou-se com Elisabeth Marie Christ. Entre idas e vindas para os Estados Unidos, resolveu, após duas décadas e por vontade também da esposa, que iriam ficar definitivamente em Kallstadt.
Mas, a exemplo de muitos lugares, nem sempre “imigrantes” são bem-vindos. Mesmo num caso assim, de alguém que saiu e resolveu voltar. – Quem vai ao ar, perde o lugar!
Talvez houvesse outras razões, mas o argumento foi que o rapaz partiu sem notificar as autoridades bávaras, como deveria, e sem cumprir o serviço militar. Quando quis a sua renacionalização, negaram.
Num documento, datado de 27 de fevereiro de 1905, informava-se ao “cidadão americano” que deveria abandonar o Estado da Baviera até o dia 1 de maio daquele ano, “caso contrário, deve estar preparado para sua expulsão”.
Friedrich resolveu apelar para ninguém menos que Luitpold Karl Joseph Wilhelm von Bayern, o então octogenário Príncipe Regente.
A carta começa com um “Sereníssimo, Poderoso Príncipe Regente! Gracioso Regente e Senhor!”. Referindo-se a Kallstadt, segue dizendo: “A cidade ficou feliz por ter recebido um cidadão capaz e produtivo”. Continua: “Minha velha mãe ficou feliz em ver seu filho, sua querida nora e sua neta ao seu redor; ela sabe agora que eu cuidarei dela em sua velhice. Mas fomos confrontados de repente, como se por um raio vindo de céus claros, com a notícia de que o Alto Ministério Real do Estado havia decidido que deveríamos deixar nossa residência no Reino da Baviera. Ficamos paralisados de medo; nossa feliz vida familiar foi manchada. Minha esposa foi tomada pela ansiedade, e minha adorável filha ficou doente”.
Ele ainda questiona: “Por que deveríamos ser deportados? Isso é muito, muito difícil para uma família. O que nossos concidadãos pensarão se súditos honestos forem confrontados com tal decreto – sem mencionar as grandes perdas materiais que isso acarretaria. Eu gostaria de me tornar um cidadão bávaro novamente”.
Friedrich finaliza sua petição: “Nesta situação urgente, não tenho outro recurso senão recorrer ao nosso adorado, nobre, sábio e justo senhor soberano, nosso exaltado governante Sua Alteza Real, o mais alto de todos, que já enxugou tantas lágrimas, que governou de forma tão benéfica, justa, sábia e suave e é calorosa e profundamente amado, com o mais humilde pedido de que o mais alto de todos se digne, por misericórdia, a permitir que o requerente permaneça no gracioso Reino da Baviera”.
Pois pasmem, apesar de tudo que se diz de Luitpold, que parece mesmo ter sido um sujeito “gente boa”, e dessa carta tão eloquente, o “adorado, nobre, sábio e justo senhor soberano, exaltado governante, o mais alto de todos” não se comoveu. Não revogou a decisão.
Só restou a Friedrich, juntamente com a família, deixar definitivamente a Alemanha em 1 de julho de 1905.
Friedrich Drumpf, o aprendiz de barbeiro que decidiu fazer a América, depois tentou e não conseguiu ser imigrante na própria pátria, havia alterado a grafia do sobrenome para facilitar seus negócios. Em Nova York, onde se estabeleceram três meses após a chegada, nasceria o filho Fred, que expandiu e consolidou o império familiar. Fred “Trump”, pai de Donald. Donald Trump.
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Foto da Capa: Repodução / Postal alusivo aos 90 anos de Luitpold, da Baviera.