O Governo Lula 3 completou ontem cem dias. A data foi assinalada pelo café da manhã oferecido pelo presidente aos jornalistas (foto da capa) que cobrem diariamente o Palácio do Planalto. As respostas de Lula aos 40 jornalistas, representando 36 veículos, mostram que o governo chega à marca compartilhando preocupações semelhantes às da sociedade e dos demais atores políticos. Recente pesquisa do Datafolha mostrou os temores do brasileiro com a situação econômica. Outra pesquisa, do site Congresso em Foco, aponta que, para o Congresso, o governo até agora acertou na promoção das questões sociais e democráticas e derrapa na economia. Uma redenominado teto de gastos está estabelecido, mas ainda não foi aprovado. Para Lula, agora sua obsessão é a retomada da economia.
“Minha obsessão nos primeiros cem dias era retomar as políticas sociais. Agora, a obsessão será a retomada do crescimento”, afirmou o presidente. De acordo com Lula, a preocupação no começo do governo era retomar as políticas sociais que foram descontinuadas no governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele citou algumas: o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Mais Médicos. “Estou satisfeito com os primeiros cem dias. Não esperava que se recolocasse o avião no ar com tanta rapidez”, afirmou. A partir de agora, segundo ele, os esforços se concentrarão em retirar o país da atual situação de estagnação econômica, alavancando o crescimento.
Para ele, a economia precisa voltar a crescer. “Não é um desejo do presidente. É uma necessidade”, ressaltou o próprio. O presidente considera que o caminho para isso é ter o governo como indutor do crescimento a partir da realização de obras. “Temos um potencial extraordinário que é a quantidade de obras paralisadas a serem retomadas”, afirmou. Uma das áreas que serão estimuladas, segundo ele, serão as obras de saneamento. Logo na volta da adiada viagem à China, o presidente promete chamar os governadores para o anúncio das obras nos Estados. O governo anterior investiu R$ 21 bilhões em obras de transportes. ‘Só neste ano, investiremos R$ 23 bilhões no setor. E daqui para a frente será assim em todos os setores”, anunciou.
A alta juros
Outra “obsessão” confessada por Lula é fazer o país voltar a crescer. Ao reconhecer dificuldades, bate na tecla da política de juros altos mantida pelo Banco Central. Lula quer, na volta da China, discutir a criação de uma política de crédito para pequenos e médios empresários. Quer a retomada também de financiamentos mais facilitados para o retorno da compra de automóveis populares. Mas considera que tudo isso se torna muito difícil com a manutenção da atual política de juros praticada pelo Banco Central. “Não é possível a economia funcionar com esses juros; é impossível o BNDES emprestar a esses juros”, disse, referindo ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Ao criticar, pela enésima vez, a política de juros, Lula acabou causando uma controvérsia em resposta aos jornalistas. Ele comentou ter lido uma entrevista na qual o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diz que, para manter a meta de inflação prevista para 2023, de 3,25%, os juros teriam que chegar a 26,5%, bem acima dos atuais 13,75% que já é a maior taxa de juros do mundo.
“Se a meta está errada, muda-se a meta”, respondeu Lula, para atrair para si uma saraiva de críticas de economistas, em especial. “É humanamente inexplicável a taxa de juros de 13%. Não é possível a economia funcionar”. Mais tarde, Lula esclareceu que não estava propondo uma mudança na meta de inflação. Mas falava de uma situação hipotética. O ministro das Comunicações, Paulo Pimenta, reforçou depois da entrevista que era uma hipótese. Algo que poderia vir a ser discutido. Mas não descartou que a questão dos juros e formas de obter a sua redução farão de fato parte das preocupações imediatas de Lula.
Chamada aos Ministros
Poucos dias antes, em reunião com seus ministros, Lula voltou a cobrar mais entregas de seu primeiro escalão e melhor divulgação dos feitos do governo. Ele vem pressionando seus auxiliares a apresentarem as novas medidas, mesmo com o seu pouco tempo na Presidência. Ele quer que os ministros divulguem os feitos de suas pastas, porque avalia que essas informações não estão chegando à população. “Quando fizermos a avaliação dos cem dias, vamos ter que anunciar o que a gente vai fazer para frente, porque os cem dias vão fazer parte do passado. A gente vai ter que discutir o que fazer do ponto de vista do investimento na área industrial, agrícola; o que a gente vai fazer na área de ciência e tecnologia”.
Antes de embarcar para a China na próxima nesta terça-feira (11/4) Lula quer apresentar o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O programa também será reciclado de gestões anteriores, mas terá algumas novidades e outro nome. A mudança foi solicitada pelo próprio Lula.
Cobranças deste tipo ocorreram sobre todas as pastas de forma geral: o chefe do Executivo disse querer que todos os ministros apresentem um plano de divulgação das medidas. Segundo recente pesquisa Datafolha, Lula chega aos primeiros três meses de mandato com aprovação de 38% e reprovação de 29%., com margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos. A desaprovação a Lula é igual à registrada por Bolsonaro no mesmo momento de seu governo, 30%, em 2019. O ex-presidente, porém, era menos aprovado do que o petista, com 32% de ótimo/bom. Lula também marca um início de governo com popularidade inferior à registrada nas suas duas passagens anteriores pelo Planalto. Aos cem dias de 2003, Lula era aprovado 43%, com apenas 10% de reprovação. Em 2007, a marca foi a 48% e 14%, respectivamente, no mesmo período.
Mais de R$ 110 milhões em programas sociais
Os gastos sociais são majoritários nos primeiros cem dias, chegando a R$ 112,1 bilhões. Colocar o “pobre no Orçamento” foi uma promessa do petista na campanha eleitoral de 2022. O aumento das despesas foi possível com a aprovação da PEC fura-teto, ou a PEC da Transição. O projeto liberou R$ 170 bilhões para Lula em 2023. O dinheiro fortalece a verba disponível nos ministérios. Na prática, a PEC deu um cheque em branco ao governo para alavancar sua popularidade.
Ficou para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentar uma regra fiscal para mudar a emenda constitucional do teto de gastos. A proposta detalhada no fim de março tenta reequilibrar as contas públicas. Dos R$ 112,1 bilhões de gastos a mais nas áreas sociais, R$ 70 bilhões foram para a manutenção do Auxílio Brasil (agora rebatizado de Bolsa Família) em R$ 600. Deste valor, R$ 18 bilhões equivale ao extra concedido pelo governo para crianças, adolescentes e gestantes.
O custo total do novo Bolsa Família em 2023 é de R$ 176 bilhões. O governo passado, de Jair Bolsonaro (PL), já havia reservado R$ 106 bilhões para o programa. Lula ainda destinou R$ 11,2 bilhões para o reajuste do funcionalismo público. O aumento salarial será de 9%. Também entra no valor o acréscimo de 43,6% no vale-alimentação da categoria. Há R$ 10 bilhões para o relançamento do Minha Casa Minha Vida, o programa federal de moradia.
Foto da Capa: café da manhã de Lula com jornalistas. Foto de Ricardo Stuckert/PR