Quem é o Senhor Mercado? Onde ele vive e do que se ocupa? Quais são o partido e a ideologia do Senhor Mercado? Este Senhor Mercado é de centro, de direita, de esquerda? Ou muito antes pelo contrário? O Senhor Mercado fala, grita, ameaça?
Estes questionamentos, em tom de ironia, são para dimensionar as reações do Senhor Mercado às declarações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Ele chorou em seu primeiro discurso na sede do governo de transição, em Brasília, e quando se referiu aos 33 milhões de brasileiros que passam fome, emociona-se e chora. Volta a criticar as reformas trabalhista e previdenciária e diz que ao invés da obsessão pelo teto de gastos os governos deviam pensar em soluções para a fome. As falas do petista foram mal-recebidas pelo mercado financeiro. O setor teme um descontrole das contas públicas e do endividamento com o aumento das despesas.
É inevitável lembrar o que disse, à propósito, em 2014, o sociólogo Emir Sader, do PT: “O mercado está nervoso, o mercado se acalmou, o mercado desconfia, o mercado confia, o mercado adverte, o mercado entra em pânico, o mercado, o mercado, o mercado… É o máximo da fetichização do dinheiro, tornar um agente com vida própria aquilo que é simplesmente a expressão dos interesses do capital especulativo.” Sem citá-lo, Lula segue raciocínio semelhante:
“Eu quero dizer para vocês que a única razão que eu tenho de voltar a exercer o cargo de presidente da República é tentar reestabelecer a dignidade do nosso povo. Se quando eu terminar esse mandato cada brasileiro estiver tomando café, cada brasileiro estiver almoçando, cada brasileiro estiver jantando outra vez, eu terei cumprido a missão da minha vida”.
É aí que o presidente chora, justo quando anuncia ter chegado a hora dos mais necessitados. A PEC da Transição, como é batizada a necessidade de ampliar os gastos sociais, é concebida para dar continuidade ao Auxílio Brasil, que voltará a ser chamado de Bolsa Família, em R$ 600. Para isso, são necessários R$ 157 bilhões. Mas também há mais uma parcela extra de R$ 150 por criança de até seis anos, ao custo de R$ 18 bilhões. A Proposta de Emenda Constitucional deve tirar do teto de gastos um valor de R$ 175 bilhões em 2023 e com duração de ao menos quatro anos. O governo atual previu o Auxílio Brasil em R$ 405, como previsto em sua proposta orçamentária.
A reação do Senhor Mercado adiou para esta semana a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que deveria ter sido apresentada na semana que findou. A tramitação inicia pelo Senado, onde o rito de votação de uma alteração constitucional é mais simples. Mesmo assim, o texto não irá direto ao plenário. Passará primeiro pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Com isso, Lula pretende obter um “novo paradigma” que permita o foco no social, como pregado em campanha. O vice-eleito, Geraldo Alckmin, reagiu a essas críticas do mercado. “Se há alguém que teve responsabilidade fiscal, foi o governo Lula”.
O Ministro-chefe da Casa Civil do presidente Bolsonaro avisou que apoia a PEC, mas apenas para vigência no primeiro ano. Para além, pretende ver os planos e projetos econômicos e sociais do futuro. Como o auxílio de R$ 600, bem como o reajuste real do salário-mínimo, seriam também proposta do governo, ele dá o aval.
As inconsistências vistas pelos militares
Após divulgar um relatório que não apontava irregularidades no processo eleitoral brasileiro e tampouco fraudes com a urna eleitoral, parece que o Ministério da Defesa muda de ideia. Divulga uma nota oficial na última quinta-feira (10) e diz que o relatório sobre as urnas eletrônicas apresentado na véspera “não excluiu a possibilidade de fraudes” nas eleições de 2022. A atitude tenta dialogar com a estratégia do presidente Jair Bolsonaro de manter apoiadores radicalizados em constante mobilização a fim de se manter politicamente relevante, algo já feito nos Estados Unidos por Donald Trump.
O próprio presidente da República passou os últimos anos atacando o sistema de votações, sem apresentar qualquer prova. Porém, o relatório afirma ter constatado duas inconsistências no código-fonte dos aparelhos. Apesar de falar das tais inconsistências, o ministério constatou “a conformidade entre os boletins de urnas impresso e os dados disponibilizados pelo tribunal”.
A segunda inconsistência apontada pela Defesa é resumida assim: “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”. O termo “código malicioso” é usado para satisfazer o presidente e deixar uma porta entreaberta às eventuais contestações ao resultado promulgado.
Um animal político
O instinto político do presidente Lula é reconhecido até por adversários. No mesmo discurso da sede da transição, ele ainda pontua questões constitucionais e de uma crise militar. Somente após entrevistar-se com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Mores, Lula tenta sufocar o golpismo. “Não há tempo para vingança”, disse ao emendar que as pessoas que protestam interrompendo estradas ou bloqueando a frente de quartéis pedindo intervenção militar. “Essas pessoas não têm o que contestar”, afirmou, completando de forma nada inocente que é necessária a investigação acerca do financiamento dos atos antidemocráticos. Esta é a pedra de toque do manejo jurídico de Moraes em casos semelhantes.