A chegada do Presidente Lula à Europa foi precedida pela amenização das declarações com que equivaleu as responsabilidades da Rússia com a Ucrânia na guerra, esquecendo que de um lado está o invasor e de outro, o invadido. Lula ainda lamentou que as potências ocidentais incentivassem a guerra, provocando fortes reações, tingindo até mesmo a relutância positiva das Nações à sua volta ao poder. Um sentimento de decepção espalhou-se pelo mundo e Lula parece ter percebido dias antes de embarcar para Portugal e Espanha.
Ainda no Brasil, no dia 18, Lula aproveita a visita do colega da Romênia, Klaus Werner Iohannis, para modular o discurso a respeito da invasão. Ele lê a declaração para evitar riscos dos improvisos e condena a violação da integridade territorial do país pela Rússia, defende uma solução de paz “política e negociada” e rebate as críticas de Washington, que o acusara de “papaguear” a propaganda de Vladimir Putin.
Há tempo de reverter os estragos das declarações feitas na China e nos Emirados Árabes em um momento de “espontaneidade”, conforme a definição de um colaborador de Lula. Sob o petista, o País ainda tem crédito para gastar na geopolítica, prova o convite para o encontro do G-7, encontro das sete maiores economias, no Japão. O Brasil é uma nação independente, autônoma, e o presidente da República eleito pelo voto popular tem o direito de expressar opiniões sem se preocupar com as reações de Washington, Bruxelas, Pequim, Moscou ou das redações dos jornais e televisões brasileiros.
Ainda na operação ameniza-danos, Lula determina, já em Lisboa, que seu auxiliar internacional parta em missão à Ucrânia, em Kiev. O anúncio foi feito pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macedo, após encontro com representantes da Associação de Ucranianos de Portugal, que realizaram um pequeno ato em frente à embaixada brasileira em Lisboa. A viagem ainda não tem data para ocorrer, mas deve ser em breve
“O presidente Lula determinou e me orientou que dissesse que o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim, que esteve na Rússia, vá visitar a Ucrânia”, contou Márcio Macedo. Principal conselheiro de Lula para política internacional, Amorim reuniu-se recentemente com o presidente russo Vladimir Putin, gesto que não só desagradou os aliados ocidentes, mas atingiu e revoltou profundamente os ucranianos.
Em outro recuo evidente, ao lado do presidente português Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, Lula afirmou que “nunca igualou” as responsabilidades entre Rússia e Ucrânia no conflito. A fala contraria declarações recentes. “Eu não fui à Rússia e não vou à Ucrânia. Eu só vou quando houver possibilidade de efetivamente ter um clima de construção de paz. Eu sempre fui uma pessoa que quer integridade territorial”, afirmou ele, referindo-se a Ucrânia. Ainda assim, Lula voltou a dizer que, a despeito da posição brasileira de condenar a agressão contra um Estado soberano, nem Kiev nem Moscou parecem querer parar o conflito.
Lula fez observações pertinentes a respeito da falta de empenho dos Estados Unidos e da União Europeia nas negociações de paz e insiste no único caminho viável para resolver o conflito, a criação de um grupo de nações, espécie de G-20, disposto a encontrar um termo entre as demandas da Rússia e da Ucrânia. O presidente, porém, cai em armadilha. Deixa-se levar por um dos lados e mina o papel de mediador que pretende, ou pretendia, exercer.
Até a viagem à China, Lula trafegava com segurança por esse campo minado, mas pisa em um explosivo quando menos se espera. Erra na forma e no tom. Os estragos estão feitos, mas há tempo de curar as feridas, tratamento iniciado com as declarações na presença do presidente romeno.
Desnecessário aprofundar questões históricas como a invasão russa, mostrando, de um lado, a “revolução” Maidan de 2014, patrocinada pelos Estados Unidos, que derrubou um governo ucraniano pró-Moscou, substituído por títeres ocidentais, o avanço da Otan rumo ao Leste, à revelia dos acordos assinados após a queda do Muro de Berlim, e as dúvidas sobre a extensão real do território da Ucrânia (a Crimeia foi um presente de Nikita Kruchev aos ucranianos em 1954).
De outro, os delírios imperialistas do presidente russo, Vladimir Putin, a respeito das glórias do seu país. Para quem pretende conquistar a confiança das partes e ter sucesso no papel de articulador da paz, é um pecado o que Lula comete ao não condenar, sempre que possível, o fato de os russos terem violado tratados internacionais e conspurcado a integridade territorial de outro país, obrigado a se defender à custa de milhares de mortes, exílios forçados, destruição, fome e desespero. É um fato, com ou sem simpatia pela Ucrânia ou por seu presidente-ator.
A primeira baixa é a que mais dói
Em meio ao cenário internacional e aos preparativos para a viagem em que Lula completaria o equivalente a duas voltas ao Mundo em pouco mais de cem dias de governo, cai o primeiro ministro do novo Governo, também com pouco mais de cem dias no cargo. E justo alguém do apreço pessoal do presidente. Nenhuma surpresa no pedido de demissão do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias. Sem saída, tamanha a repercussão e gravidade do episódio, sua permanência ficou insustentável e ele pediu demissão horas após a divulgação de imagens suas, circulando no Palácio do Planalto, na antessala do gabinete do presidente da República, enquanto os vândalos depredavam o prédio no dia 8 de janeiro.
O general Gonçalves Dias sempre foi classificado como homem próximo e de confiança do presidente Lula (PT), com quem já havia trabalhado de 2003 a 2010, e, justamente por isto, foi escolhido para o cargo. Uma de suas missões era dar fim ao aparelhamento construído no GSI pelo general Augusto Heleno durante o governo Jair Bolsonaro (PL). As gravações, divulgadas pela CNN, mostram ainda que os invasores receberam água de militares e cumprimentaram agentes do GSI durante os ataques.
Os agentes auxiliaram ainda indicando a saída para alguns vândalos. As fitas deixaram na berlinda a atuação do GSI no caso. Sua saída representa a primeira queda de um ministro no terceiro governo Lula, menos de quatro meses após a posse. As imagens, imediatamente após sua divulgação, tiveram outros desdobramentos, garantindo fôlego aos movimentos da oposição pela criação da CPMI sobre os atos de 8 de janeiro. O Planalto está tentando ganhar tempo para a instalação da CPMI, que é considerada certa em Brasília, para os próximos dias. As articulações do governo visam garantir a maioria de integrantes aliados para conduzir a narrativa. A pá de cal sobre o General foi o veto de ter solicitado sigilo sobre as imagens que acabaram por comprometê-lo.
Quase duas voltas ao mundo neste começo de governo
A política externa sempre foi prioridades do presidente Lula, que busca reposicionar o Brasil após isolamento provocado por Bolsonaro. Quando abril vira no calendário, ele terá passado 18 dos 120 dias iniciais de seu mandato fora do Brasil, com quatro viagens, seis países e quase duas voltas pela Terra. Será um recorde desde a redemocratização, sinal da prioridade que o petista dá ao reposicionamento da política externa.
Idas e vindas o fazem percorrer cerca de 76 mil quilômetros em viagens internacionais desde a posse em 1º de janeiro. Com quatro mil quilômetros a mais teria contornado duas vezes o planeta. Lula deu o pontapé inicial em sua agenda internacional com uma passagem pela Argentina, onde se encontrou com o presidente Alberto Fernández e participou da cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), antes de fazer uma escala em Montevidéu na volta.
No mês seguinte, embarcou para três dias em Washington, com compromissos que incluíram um encontro com o presidente Joe Biden. Em Pequim e Xangai, assinou 15 acordos e deu declarações vistas como antagônicas a Washington em um momento de forte rivalidade sino-americanas. Na volta, durante uma passagem por Abu Dhabi, o petista foi alvo de críticas americanas e europeias após equiparar as responsabilidades de Moscou e Kiev na invasão russa da Ucrânia.
Foto da Capa: Alexy Furman/Agência Brasil