Brasília, manhã de sábado, 3 de maio. O céu – que Lúcio Costa dizia o ser o mar da cidade – com esparsas e suaves nuvens, prenuncia a estabilidade meteorológica que vem por aí: nem uma gota de chuva nos próximos cinco, seis meses… é a seca do cerrado. E eu acabo de descobrir que o 3 de maio é o Dia do Sol.
A data comemorativa foi instituída pela NASA e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente para alertar sobre a importância do astro-rei (astro-rei é meio grego, não?) na vida de cada um de nós.
Lendo sobre a presença fundamental e essencial da estrela mais próxima da Terra na vida de toda a gente, lembrei logo do Stanislaw Ponte Preta, personagem criado pelo cronista Sergio Porto lá pela segunda metade do século passado.
O Stanislaw foi um grande frasista. É dele o complemento brilhante à afirmação de que “o sol nasce para todos”, atribuída a inúmeros autores. “O sol nasce para todos, a sombra para quem é mais esperto”, dizia o cronista.
Hoje mesmo, já segunda-feira, 5 de maio, o sol nasceu para todos. Mas alcança a gente de forma diversa.
Veja: os aposentados e pensionistas do INSS estão torrando sob o sol escaldante das filas da Previdência e vendo derreter suas pensões e aposentadorias pelos raios dos descontos não autorizados que vão garantir a sombra da impunidade onde vivem burocratas incompetentes e corruptos e dirigentes desonestos de associações e sindicatos. E sem notícia de sombra onde possam recuperar a graninha perdida.
Esse escândalo dos descontos não autorizados nas já diminutas pensões e aposentadorias coloca o governo Lula sob um sol de deserto e o obriga a buscar a sombra da aprovação popular. Terá o PT a esperteza do Stanislaw para ter o sol como luz no caminho e não como fonte de queimaduras mais fortes que as já sofridas?
A substituição do ministro da Previdência, Carlos Lupi, pelo secretário-executivo dele, que estava exposto – o tempo todo – ao calor das falcatruas, não teve outro efeito senão o de oferecer sombra ao pessoal da oposição que quer provocar insolação ao governo com uma CPI do INSS…
Nesta época do ano, o sol provoca calor intenso na desarborizada Praça dos Três Poderes. Ele bate igualmente no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Naqueles prédios, cada um busca o seu lugar ao sol, mas com uma sombrinha para se refrescar e prevenir eventuais queimaduras…
E olha só a coincidência, o 3 de maio também é o Dia do Parlamento Brasileiro, instituído para lembrar a convocação, por D. Pedro I, da primeira Assembleia Constituinte do Brasil. A data me lembra outras frases famosas, estas ditas por José de Magalhães Pinto, o mineiro que foi deputado federal, senador, ministro e governador de Minas Gerais nos sombrios anos da ditadura militar.
Magalhães Pinto dizia: “A política é como nuvem. Você olha e está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. Ele mesmo, Magalhães, é a personificação perfeita e acabada dessas frases e a prova de que não é de agora essa coisa de político andar numa direção hoje e em outra completamente oposta no dia seguinte.
Olha só: o Dia do Parlamento Brasileiro foi instituído em julho de 1975, pelo então presidente do Congresso Nacional… José de Magalhães Pinto. Pois o mesmo Magalhães Pinto, em 1968, na condição de Ministro das Relações Exteriores do governo militar, tinha assinado o AI 5, pacote de decretos da ditadura que permitiu o fechamento… do Congresso Nacional e a cassação dos direitos políticos de muita gente.
Ah! E o AI-5 ainda foi usado mais uma vez, em 1977, quando o general Ernesto Geisel decretou o Pacote de Abril para, de novo, fechar o Congresso Nacional.
Magalhães mesmo, como nuvem, se mexia. Filiado à Arena, partido dos militares, de repente, no fim do bipartidarismo, em 1978, olharam para ele e o viram ao lado do até então histórico adversário Tancredo Neves, que estava criando o Partido Popular… para se opor ao governo.
Aliás, as nuvens da época da ditadura se mexem até hoje e se acomodam no cenário como mais lhes convém. Agora mesmo, os partidos União Brasil e PP – originários da movimentação da velha cúmulus nimbus Arena que tanto mau tempo político provocou – se moveram um em direção ao outro para fundar a União Progressista, federação política que promete sombra para seus filiados e é vista como ameaça de insolação na seca de boas notícias para o governo.
Nesta semana, depois de amanhã, dia sete, teremos mais uma movimentação da política. O ex-presidente Bolsonaro convocou – sob coordenação do pastor/político Silas Malafaia – uma caminhada, em Brasília, em defesa da anistia aos golpistas de janeiro de 2023. Na semana passada, diziam que 50 deputados e senadores já tinham confirmado presença.
Aliás, nessa história de anistia aos golpistas, só quem não tem lugar à sombra é a esquerda. Derrotada na luta para aprovar um projeto que anistiava todo mundo e poderia alcançar até o ex-presidente Bolsonaro, a direita, agora, articula um acordão para uma redução geral das penas.
Aprovado o negócio, a direita posa de defensora dos pobres perseguidos pelo STF e abre possibilidade de livrar os mandantes mais adiante. Negado o acordo, recrudescem as narrativas nas redes sociais de que vivemos uma ditadura do legislativo.
Qualquer que seja o resultado, não tem lugar à sombra para o governo.
Lula vai enfrentar, daqui para a frente, o calor da campanha eleitoral, que já está ao sol. Vendo até secarem os oásis onde sempre teve abrigo e apoio popular – como no Nordeste, por exemplo –, Lula precisa encontrar meios de manter hidratada a sua liderança pessoal.
Essa é a diferença que pode ser fundamental em 2026. O bolsonarismo é maior que Bolsonaro. Lula é maior que o lulismo. E a nuvem bolsonarista se mexe, se altera e se divide com mais facilidade.
Liberdade
Tem mais uma comemoração no 3 de maio. É o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, uma homenagem à Declaração de Windhoek, resultado de um seminário de jornalistas realizado pela Unesco na Namíbia, em 1991, para destacar a importância da imprensa livre, independente e pluralista para garantir regimes democráticos.
A Unesco marca essa data com a entrega do prêmio Unesco/Guillermo Cano, uma homenagem ao jornalista colombiano Guillermo Cano Isaza, assassinado em frente ao jornal El Espectador, em Bogotá, a mando do traficante Pablo Escobar.
Felizmente, por aqui, apesar de ondas repetitivas de fake news, surgimento de fontes ilegítimas de informação e ataques a jornalistas e a alguns veículos, vivemos tempos de ampla liberdade de imprensa. Dá para comemorar a data.
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Foto da Capa: Gerada por IA.