No último dia 22, mais um Dia Mundial da Água foi utilizado para chamar a atenção da situação desse precioso recurso. A nossa fonte de vida hoje tem dado recados de várias maneiras aos tripulantes da nave mãe Terra. Seus ciclos estão mudando. As temperaturas das estações que antes eram mais previsíveis, hoje estão completamente instáveis. Confundem meteorologistas. E nos deixam à mercê de termos muita água caindo em pouco tempo. Ou de ficarmos sem chuva por longas temporadas.
O assunto é tão sério que, desde a década de setenta, a ONU não promovia uma conferência em Nova Iorque para tratar da situação desse insumo cada vez mais escasso em grande parte do planeta, em especial no hemisfério Sul. Só que, confesso, esse mesmo enredo, parece não engajar, não provoca mudanças de comportamento a olho nu. Percorre a passos de formiguinha.
Essa caminhada para aumentar a conscientização quanto ao uso racional desse bem de todos anda ora de passos largos, ora devagar, quase parando e às vezes estaciona. Depende muito de quem está no poder. E, para muitos que estão em postos de comando, o mundo continua sempre como foi. E a água é algo que sempre poderemos contar. Só que não.
Hoje, nossa água não é a mesma de décadas atrás. A que sai na torneira pode ter muitas substâncias que nem temos ideia. Apenas alguns tipos de análises são feitas para saber se está potável. Nunca se usou tanto agrotóxico como hoje. E nunca saiu tanto xixi com resquícios de remédio (quase todo mundo toma alguma coisa). A situação da nossa água é um preciso indicador da qualidade do nosso processo civilizatório e da nossa capacidade de resolver problemas complexos. (Mesmo com tudo isso, tomo água da torneira, ou melhor, do DMAE – Departamento Municipal de Águas e Esgoto de Porto Alegre, em casa. Por vários motivos, mas isso fica para outro texto.)
Uma fonte de esperança para águas gaúchas
Mas tudo que não quero é que você se deprima lendo esse texto. O contexto é complicado. Sei. Mas se estamos vivos e com energia, a essa altura do campeonato, não podemos desistir de buscar uma qualidade de vida melhor. É a nossa vida e das futuras gerações que estão em jogo. Então vamos celebrar as conquistas! Nesta semana, bem no dia da água, foi instalada a Frente Parlamentar em Defesa da Revitalização das Bacias Hidrográficas, Conservação dos Recursos Hídricos e Enfrentamento às Estiagens na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Uma ótima notícia para esses tempos de agravamento da crise climática. Pois a falta de chuva tem provocado prejuízos gigantescos (já escrevi isso aqui). Não basta perfurar poços ou fazer açudes. O buraco é bem mais embaixo.
A iniciativa do deputado Miguel Rossetto (PT) é mais que louvável. Necessária e urgente. Na cerimônia de instalação, seu discurso chamou a atenção sobre o quanto a gestão desse insumo, vital para todos os seres vivos, vem sendo tratada pelas últimas administrações do Rio Grande do Sul. Isso que já fomos (como tantas outras frentes) pioneiros no Brasil. O primeiro comitê de gerenciamento de bacias hidrográficas do país foi o dos Sinos (clica aqui para ver a entrevista que fiz com a presidente do comitê Viviane Feijó). Vários estados estão colocando em prática o que preconiza a Lei das Águas.
Rossetto apontou que nenhum dos 25 comitês gaúchos das três Regiões Hidrográficas: Uruguai, Guaíba e Litoral dispõe de algum tipo de financiamento para seu funcionamento (algo fundamental para a gestão, hoje todos representantes atuam de forma voluntária); nenhum consegue executar o que preconiza o plano de bacia; o sistema de gestão das águas no RS é inoperante (o Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento atualmente conta com 30 pessoas, incluindo cargos de confiança e apenas cinco na Divisão de Planejamento). Com a instalação da Frente, o parlamentar também pretende mostrar as experiências positivas que estão em andamento, de dentro e fora do Rio Grande do Sul.
E para encerrar, não posso deixar de citar o que informa o relatório síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas nessa semana.
A temperatura média mundial já subiu 1,1 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais – uma consequência direta de mais de um século de queima de combustíveis fósseis, bem como do uso desordenado e insustentável de energia e do solo. A elevação da temperatura aumenta tanto a frequência quanto a intensidade dos eventos climáticos extremos, que causam impactos cada vez mais perigosos às pessoas e à natureza em todas as regiões do mundo.
O Painel também alerta que o aumento da temperatura média tende a causar o agravamento da insegurança alimentar e hídrica, em todo o mundo.
O mundo já tem as soluções tecnológicas e financeiras para as ações de enfrentamento aos problemas climáticos. O que falta é governança, vontade política. Desejo do fundo do meu coração que os trabalhos dessa frente gaúcha jorrem realizações. Acorde quem ainda acha que as águas de cima (os rios voadores), as da superfície e as subterrâneas estarão disponíveis para quando bem entenderem.