O Rio Grande do Sul, historicamente propenso a Eventos Climáticos Extremos (ECEs) como secas, inundações e vendavais, enfrenta um desafio crescente. Apesar das valiosas contribuições de pesquisadores e especialistas na área, a falta de apoio do Poder Executivo compromete o desenvolvimento de soluções eficazes e baseadas em dados e em conhecimento local, perpetuando um ciclo de omissões e vulnerabilidades. A seguir, uma contribuição na identificação de lacunas na implementação de medidas efetivas de gestão de riscos e prevenção, avaliação das consequências desta inércia e alguns caminhos a serem trilhados em prol da resiliência.
Lacunas na Pesquisa e Execução
- Subinvestimento em Pesquisa: a alocação de recursos para implantação de equipamentos (pluviômetros, fluviômetros, réguas, …) que coletem dados e subsidiem pesquisas sobre ECEs e cenários climáticos futuros é escassa, limitando o conhecimento e o desenvolvimento de ferramentas preditivas mais precisas.
- Desconexão entre Ciência e Política: a comunicação entre a comunidade científica e o Poder Executivo é falha, impedindo que os resultados das pesquisas sejam integrados de forma efetiva na formulação de políticas públicas, o que resulta em medidas inadequadas/subaproveitadas, que não condizem com a nova realidade climática do estado.
- Falta de Planejamento de Longo Prazo: a ausência de uma Política de Estado (não um Plano de Governo!) para lidar com a questão mostra a falta de visão estratégica, em todos os níveis do Executivo. Essa postura omissa e negligente ignora a urgência da questão e impede a implementação de medidas preventivas eficazes, como infraestruturas resilientes e um ordenamento territorial adequado.
Consequências da Inércia
- Maior Vulnerabilidade: a omissão e a negligência contribuem para o aumento dos riscos, ameaças e vulnerabilidades dos municípios aos ECEs, afetando a vida da população, a economia e a infraestrutura.
- Perdas Econômicas: ECEs geram enormes perdas econômicas na agricultura, turismo, indústria e comércio. A falta de Gestão de Continuidade de Negócios (parametrizados nas ISO’s 31.000; 22.301 e 27.005) nos órgãos da gestão pública e nos setores produtivos agrava esses impactos, gerando um ciclo de prejuízos e atrasando a retomada. Com base nos Decretos de Emergência e de Calamidade Pública do RS, entre 1993 e 2022 esta perda atingiu mais de R$ 100 bilhões.
- Desigualdade Social: os efeitos dos ECEs são exacerbados pelas desigualdades sociais, impactando desproporcionalmente as comunidades mais vulneráveis, aprofundando essas desigualdades, dificultando a reconstrução após os eventos.
Caminhos para o Futuro
- Maior Investimento em Pesquisa: o Poder Executivo precisa aumentar significativamente o investimento em pesquisas sobre ECEs no RS, viabilizando a expansão do conhecimento científico e o desenvolvimento de soluções inovadoras.
- Comunicação: melhorar a comunicação e a informação, com estratégias voltadas para a inserção cultural prevencionista, com ações educacionais integradas e midiáticas profissionais no cotidiano social.
- Criação de uma Política de Estado: o Poder Executivo precisa elaborar um plano abrangente para lidar com ECEs, que inclua medidas preventivas, como infraestrutura resiliente e ordenamento territorial adequado, além de ações de resposta e recuperação pós-desastre embasadas em Planos de Contingência elaborados ANTES das tragédias.
- Fortalecimento da Defesa Civil: com recursos humanos, infraestrutura, capacitação e tecnologia, a fim de garantir uma capacidade de atuação eficaz na prevenção, resposta e recuperação de ECEs. Isso abrange também a capacitação, formação técnica e acadêmica, concurso público obrigatório para agentes municipais de proteção e defesa civil, qualificados na área de gestão de riscos e desastres, proteção e defesa civil. Por fim, a criação da Secretaria de Estado de Proteção e Defesa Civil.
- Engajamento da Sociedade Civil: crucial o engajamento na construção de soluções para os desafios climáticos do RS, pela participação em fóruns públicos, conselhos deliberativos e iniciativas que promovam a democracia climática e ambiental.
Concluindo, enfrentar os ECEs no RS exige um compromisso firme do Poder Executivo com a Ciência. Somente através do investimento em conhecimento, da comunicação transparente e da implementação de políticas públicas abrangentes e de longo prazo será possível construir um futuro mais seguro e resiliente para o estado. Não há Plano C.
Marcos Leandro Kazmierczak é engenheiro florestal (UFSM). Mestre em Sensoriamento Remoto (INPE). Doutor em Eventos Extremos (UNESP/CEMADEN). Especialista em modelagem espacial e simulação de cenários climáticos futuros. Especialista Sênior no Projeto de Concepção do Arranjo Institucional e Operacional para Gestão de Risco de Desastres no Estado do Rio de Janeiro (Contrato Banco Mundial/SEPLAG-RJ 9/2013).
Foto da Capa: Rafa Neddermeyer / Agência Brasil
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