Deus me proteja de mim
E da maldade de gente boa
Da bondade da pessoa ruim
Deus me governe e guarde
Ilumine e zele assim
Chico César
A maldade de gente boa pode ser aquela de quem “só quer o meu bem”, como um pai ou mãe se aventura a querer a respeito de um filhe, muitas vezes, por pura falta de opção. No entanto, fora desse cenário familiar, se o bem é meu, por que alguém há de querê-lo para si? Como esse alguém pode saber sobre o que é benfazejo para mim? Parece fazer sentido quando alguém se sente mais próximo de uma dimensão privilegiada da verdade, sensação proporcionada por muitas religiões. Outra coisa é a política pública que, se bem pensada e aplicada, proporciona justiça social emancipadora e não um bem tutelado, subjugado.
A religião, em grande parte dos casos, é apenas um pano sistemático para limpar o equívoco programático, calculado. “Eu faço e aconteço. Depois eu me arrependo, rezo e fica tudo bem”. Essa poderia ser uma tradução da antiética regente dos conservadores do nosso país. Aí reside o perigo de assumir que uma pessoa seja boa e que possa querer o bem de todos, apenas porque ela pratica alguma religião. Na verdade, em muitos casos, essa pessoa apenas se blinda para poder ter crédito para ser ainda pior.
Bem sabemos que muitas das piores atrocidades foram realizadas com a cruz numa mão e a espada na outra. Tudo para garantir o direito a que uns poucos se mantenham no grupo dos pecadores programáticos. Para estes trata-se de má fé na duplicação do sentido dessa expressão, uma vez que performam um dogma que não praticam. É nessa posição cínica que está boa parte do nosso legislativo coordenado por Artur Lira.
Por outro lado, na base popular – já que a artilharia da extrema direita religiosa controla a narrativa – vemos se armar um exército de pessoas humildes aspirantes a “cidadãos de bem”. Um contingente de pessoas boas. A pergunta é: boas para quem? Pessoas que passam a seguir os manuais tão bem, mas tão bem, que até chegam a assustar. De um dia para o outro – intoxicadas de fake news – parece que elas nunca tiveram uma contradição interna, que nunca padeceram algum tipo de indagação moral mínima, humana. Assim se gestionam as massas, que, como os exércitos, são acéfalos, funcionam como um corpo, cuja estratégia e a tática vem da regência cínica dos conservadores.
O PL da Gravidez Infantil não é sobre o certo, nem sobre o errado. É sobre controle. Nenhum dos deputados pró PL, lobos burocratas travestidos de cordeiros de Deus, se importa, por exemplo, com a vida de crianças negras estupradas. É simplesmente sobre poder. Sobre poder manter privilégios. Até porque suas filhas e suas amantes continuarão abortando nas melhores clínicas que continuarão existindo. Infelizmente, se mantivermos esse rumo nefasto, meninas continuarão sendo torturadas com gestações de avôs, pais, tios, e irmãos mais velhos. Mais negrinhos a serem negligenciados, invisibilizados, criminalizados pela hipocrisia das mesmas pessoas boas.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
Mais textos de Priscilla Machado de Souza: Leia Aqui.