“O que não serve para compartilhar é inútil.” É nessa frase que o rapper baseia a ideia do podcast Mano a Mano, que iniciou em 2021 e está em sua 2ª temporada como o 2º podcast mais ouvido do Brasil. Mas eu me pergunto e não sei se você já se perguntou o que faz do Mano a Mano ser este vetor magnético de audiência? E se você sabe até quem é Mano Brown, hoje um aclamado artista negro na mídia?
Mano Brown é paulista, tem 52 anos, é rapper e compositor brasileiro. Mas além de artista é um empreendedor disruptivo periférico que já segurou muito preconceito e racismo para chegar até aqui. Rotulado pelo mainstream como violento e pornográfico, ele driblou as barreiras de entrada impostas pela indústria da música com criatividade e forte senso de oportunidade.
Mano Brown se tornou um case de sucesso, em 1997, com a estratégia de venda do álbum Sobrevivendo no Inferno. Sem acesso às grandes distribuidoras, os Racionais apostaram num marketing de guerrilha e no corpo a corpo. Chegaram a 1 milhão de cópias vendidas em menos de 1 ano.
No caso dos Racionais, é mais fácil entender o motivo. As letras do grupo falam de uma época de extrema violência e falta de oportunidades nas periferias. Músicas como “O Homem na Estrada” e “Fim de Semana no Parque” descrevem os ciclos de violência vivenciados pelos moradores de favela nos anos 90, do ex-detento caçado por grupos de extermínio por um crime que não cometeu, ao menino que testemunha, pelas grades de um clube de elite, a brutalidade da desigualdade social – este menino era Brown.
É preciso muito racismo para entender esses versos como apologia ao crime. Por essência, Brown é um poeta urbano e o maior cronista da periferia. Ele tem uma capacidade única de síntese. Descreve como poucos os sentimentos e a realidade de quem está na base da pirâmide social.
Como em Capítulo 4, Versículo 3: “Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal, por menos de 1 real, minha chance era pouca / Mas, se eu fosse aquele moleque de touca, que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca… De quebrada, sem roupa, você e sua mina / Um dois, nem me viu, já sumi na neblina.”
Ou Vida Loka, parte 2: “Firmeza, não é questão de luxo, não é questão de cor / É questão que fartura alegra o sofredor / Não é questão de preza, nego, a ideia é essa / Miséria traz tristeza e vice-versa / Inconscientemente vem na minha mente inteira / Na loja de tênis, o olhar do parceiro feliz / De poder comprar o azul, o vermelho / O balcão, o espelho, o estoque, a modelo / Não importa, dinheiro é puta e abre as portas / Dos castelos de areia que quiser / Preto e dinheiro são palavras rivais, é? / Então mostra pra esses cu como é que faz.”
Esta transposição da capacidade de sintetizar e trazer um olhar cru, perguntas que desconcertam e fazem refletir são os ingredientes desta explosão narrativa que vem conquistando os brasileiros. O rapper afirma em entrevistas que está dando tudo de si para poder transmitir o máximo para os ouvintes do programa. Nesta segunda temporada com entrevistados muito pedidos e com novos temas, como segurança pública e descriminalização da maconha por exemplo. E segue fazendo história como a conversa ente duas gerações de artistas negros que refletem sobre a indústria da música e o papel da cena periférica com Kondzilla.
“Comunicar é respeitar. Falar sem se importar com o que os outros vão entender é desrespeito”, fala o artista. Para ele o principal foco é o público jovem, que busca se informar por meio do podcast. “Se você não olha para o jovem, você não está pensando no futuro”, acredita Brown. “O legado é falar para os mais jovens sempre. Se eles não entenderem, faça-se ser entendido”, complementa.